MENSALÃO E A TELEMIDIATIZAÇÃO DA JUSTIÇA - Luiz Flávio
Gomes*
Luiz Flávio Gomes * |
Doutor em Direito Penal
Fundador da Rede de Ensino LFG Foi Promotor de Justiça (de 1980 a 1983) Juiz (1983 a 1998) Advogado (1999 a 2001). |
Se o STF flertava - já há
algum tempo - com sua incondicionada adesão à era do populismo penal midiático,
típico da sociedade do espetáculo (Debord), agora não existe mais dúvida. Sejam
todos bem-vindos ao mundo do espetáculo judicial telemidiático. Como funciona a
Justiça telemidiatizada? Não quero valorar, apenas descrever.
Em primeiro lugar, já não
podemos falar em processo, mas sim em teleprocesso. Não temos mais juízes, mas
sim telejuízes. Não mais sessões, sim, telesessões. Não mais votos, sim,
televotos. Não mais o público, sim, teleaudiência. Se no campo das democracias
populistas latino-americanas o que prepondera é o telepresidente, na era da
Justiça telemidiatizada o que temos é o telerelator, telerevisor, etc.
Não há dúvida que com o
telejulgamento ganhamos em espetáculo (estética), mas corre-se sempre o risco
de se perder em segurança, porque o poder dos holofotes pode fazer da
prudência, do equilíbrio e da sensatez estrelas que brilham pela ausência.
A Justiça se tornou muito
mais percebida. Agora conta com teleaudiência, com rating. Para usar um bordão
famoso, nunca na história deste País os Ministros se tornaram conhecidos pelos
seus nomes, que estão se transformando em marcas (estrelas midiáticas) e, dessa
forma, começam a ter um alto valor político-mercadológico.
A espetacularização da
Justiça populista não é uma vara mágica que resolva seus conhecidos problemas,
ao contrário, a telejustiça é muito mais morosa e, tal como uma telenovela,
gasta um semestre para desenvolver o enredo de um teleprocesso (prejudicando o
andamento de centenas de outros).
O STF, na sua nova função de
telejulgador populista, está lavando a alma do povo brasileiro (disse um órgão
midiático). E também nos proporciona (como toda televisão) tele-entretenimento,
com acalorados “bate-bocas”, entrecortados por suaves e inteligentes telemensagens
de Ayres Britto do tipo “o voto minerva me enerva”.
A Justiça telemidiatizada
não soluciona o problema do pão da população, mas pode contribuir muito para a
fermentação do circo. Por quê? Porque não se pode esquecer que a liturgia do
populismo penal evoca, antes de tudo, a expressão de uma festa (alegria,
júbilo, satisfação), visto que, como dizia Nietzsche, o sofrimento do inimigo
ou do desviado (do devedor), que perturbou a ordem social ou institucional,
sobretudo quando veiculado por meio de algo aproximado da vingança, traz em seu
bojo um incomensurável prazer.
O STF acaba de se sucumbir
definitivamente às racionalidades da sociedade do espetáculo. Resta saber se
ainda vão remanescer lampejos de serenidade para impedir que princípios
jurídicos clássicos como o da legalidade, proibição de retroatividade da lei
penal mais severa, etc., não se tornem meros tigres de papel.
Na medida em que a Justiça
começa a se comunicar diretamente com a opinião pública, valendo-se da mídia,
ganham notoriedade tanto os rasteiros anseios populares de justiça (cadeia para
todo mundo, prisão preventiva imediata, recolhimento sem demora dos passaportes
dos condenados, fim dos recursos, ignorem a justiça internacional) como a
preocupação de se usar uma retórica populista, bem mais compreensível pelo
“povão” (“réus bandidos”, “políticos bandoleiros”, “a pena não pode ficar
barata”, “Vossa Excelência advogado para o réu”, etc.).
Frenesi generalizado, porque
agora o paradigma é outro, é o emotivo, o voluntarista, o performático. O
telejuiz deixa de ser um terceiro equidistante para se transformar em um ator
midiático, daí a lógica dos reiterados pedidos - entre eles - de réplica e
tréplica, que denotam perfil de parte (falando com o seu público).
O maior temor, nesse
contexto, é o de que esses novos personagens da telejustiça deixem de cumprir o
sagrado papel democrático de balança contramajoritária. Não poucas vezes, como
sublinha com frequência o Ministro Gilmar Mendes, para fazer justiça o juiz tem
que decidir contra a vontade da maioria. Mas como contrariar a maioria quando a
telejustiça assume a lógica das democracias populistas de opinião?
São novos megadesafios para
os novos super-telejuízes, que ainda devem recordar que, no campo do Direito
Penal, a convicção de que a voz do povo é a voz de Deus constitui um risco
incomensurável. As balizas da justiça, quando deixadas sob o comando do povo ou
da pura emoção, ficam totalmente cegas (a história de Jesus Cristo que o diga).
Aos tradicionais quatro
“pês” que habitam nossas cadeias (pobre, preto, prostituta e policiais), a
telejustiça está agregando uma quinta categoria, constituída dos políticos e
seus satélites orbitais (banqueiros, bicheiros, construtores, dirigentes
petistas, tucanos privataristas, etc.). Não há como não reconhecer que os
teleprocessos são altamente politizados. Mas nem por isso devem revigorar nossa
memória, como bem sublinhou Tarso Genro, sobre a hipotética ou real manchete de
um jornal soviético, da era stalinista, que dizia: “Hoje serão julgados e
condenados os assassinos de Kirov”. Será que a era da telejustiça protagonizada
por super-telejuízes será capaz de nos proporcionar um mundo melhor e mais
justo?
Referência
eletrônica desta doutrina:
Autor:
Luiz Flávio Gomes* Título: MENSALÃO E A TELEMIDIATIZAÇÃO DA JUSTIÇA. Disponível
em: http://online.sintese.com. Acesso em: 5.4.2013
|
Nenhum comentário:
Postar um comentário