por Francisco Sannini Neto – Delegado de Polícia – Pós-graduado com
especialização em Direito Público pela Escola Paulista de Direito –
Professor de Direito Penal, Processo Penal e Direito Administrativo da
UNISAL.
Introdução
No dia 02 de agosto deste ano foi publicada a Lei 12.850/2013, que
define o conceito de organização criminosa e dispõe sobre a investigação
criminal das infrações penais correlatas. Logo no intróito deste estudo
é importante destacarmos o fato de que a inovação legislativa veio em
muito boa hora, trazendo em seu conteúdo mudanças significativas no que
se refere aos meios de prova, alterando, outrossim, o Código Penal e
revogando por completo a Lei 9.034/95.
Tendo em vista que o crime organizado vem se organizando cada vez
mais, a nova Lei nos dá um alento e nos enche de esperança em dias
melhores. A partir de agora o Estado terá à sua disposição novas
ferramentas que, sem sombra de dúvida, serão muito eficazes no combate
ao crime.
Entre as inovações trazidas pela Lei, podemos destacar a criação do
instituto da “colaboração premiada”, que será mais bem estudado adiante,
e a possibilidade de os membros do Ministério Público e os Delegados de
Polícia terem acesso, independentemente de autorização judicial, aos
dados cadastrais do investigado que informem, exclusivamente, a sua
qualificação pessoal, filiação e os endereços mantidos pela Justiça
Eleitoral, empresas telefônicas, instituições financeiras, provedores de
internet e administradoras de cartão de crédito.
Como se pode notar, a nova Lei consagra a figura do Delegado de
Polícia, que não é mais tratado como “autoridade policial” e se destaca
como protagonista no combate à criminalidade organizada. Ao longo deste
estudo analisaremos as principais influências da Lei no dia a dia das
polícias judiciárias.
Conceito de Organização Criminosa
Muito embora o objetivo desse trabalho não seja a análise dos tipos
penais criados pela nova Lei, faremos algumas breves considerações a
respeito do assunto. Diz o §1°, do artigo 1° da Lei 12.850/2013: Considera-se
organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas
estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda
que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente,
vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais
cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de
caráter transnacional.
Primeiramente, lamentamos o fato de que o legislador restringiu o
conceito de organização criminosa apenas àquelas pessoas que se
associarem para a prática de infrações cujas penas sejam superiores a
quatro anos de prisão. Dentro desse contexto, aqueles que se organizarem
para praticar a contravenção penal do jogo do bicho, por exemplo, não
estarão inseridos no conceito de organização criminosa. Pior do que
isso, uma quadrilha que se organize estruturalmente para fraudar
licitações, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente,
não sofrerá os consectários da nova Lei, abrindo, destarte, um campo
fértil para a corrupção. Em situações como estas, a Lei poderá ser
aplicada apenas de maneira excepcional, quando se tratar de infrações
penais de caráter transnacional, o que, convenhamos, será muito raro na
prática.
Feita essa crítica, entendemos que o dispositivo em questão nos
apresenta um crime autônomo, exigindo a associação de pelo menos quatro
pessoas para a prática de infrações penais graves (leia-se: com penais
superiores a quatro anos de prisão). Trata-se de um crime formal, que se
consuma com a mera associação de pessoas, independentemente da execução
dos crimes que motivaram a organização. Demais disso, não podemos
olvidar que a organização criminosa é um crime permanente, permitindo,
assim, a prisão em flagrante de seus integrantes a qualquer tempo, sem
prejuízo dos outros crimes porventura cometidos (caso típico de concurso
de crimes)
Quanto ao sujeito ativo do tipo em questão, asseveramos que se trata
de crime comum (pode ser praticado por qualquer pessoa), de concurso
necessário (plurissubjetivo) e de condutas paralelas (uma auxiliando a
outra). Com relação ao sujeito passivo, entendemos que a vítima é a
sociedade.
Sobre o bem jurídico tutelado, nos parece que, assim como no antigo
crime de quadrilha ou bando, será a paz pública, permanentemente abalada
por aqueles que se organizam para praticar crimes graves.
Questão interessante trazida pela nova Lei se relaciona com o delito
previsto no artigo 35 da Lei de Drogas (associação para o tráfico).
Imaginemos que quatro ou mais pessoas se associem para a prática do
tráfico de drogas, será que essa associação estará inserida no contexto
do artigo 35 da Lei de Drogas ou no art.1°, §1°, da Lei em estudo? Notem
que, caso a resposta seja pelo artigo 35, em virtude da especialidade,
por exemplo, não poderão ser aplicados os institutos da Lei 12.850/2013 a
esta associação.
Com a devida vênia, não é essa a melhor solução. Entendemos que,
nessas situações, deverão ser analisados os aspectos estruturais da
associação. Se quatro ou mais pessoas se associarem para a prática do
tráfico de drogas, mas sem a devida estrutura organizacional, não se
podendo constatar a existência de distribuição de tarefas e graus de
hierarquia, estaremos diante do crime de “associação para o tráfico”,
previsto na Lei de Drogas. Caso contrário, em se tratando de uma
estrutura organizada, com divisão de tarefas etc., configurar-se-á o
delito constante na Lei em análise.
Outro ponto que nos chamou a atenção foi a influencia da “teoria do
domínio do fato” no conteúdo do tipo em questão. Ao fazer menção à
“divisão de tarefas”, o dispositivo deixa claro que serão autores desse
crime todas as pessoas que fizerem parte da associação,
independentemente da sua importância dentro da estrutura criminosa. De
acordo com a mencionada teoria, haverá coautoria – e não participação –
nas hipóteses em que houver uma exemplar divisão de trabalho, onde cada
agente da estrutura criminosa contribui de maneira decisiva para o
sucesso do crime.
Subsidiando o entendimento ora exposto, o §3°, do artigo 2° da Lei,
dispõe que a pena do crime será agravada para quem exerça o comando,
individual ou coletivo, da organização criminosa, ainda que não pratique
pessoalmente atos de execução. Ora, está aí mais uma clara influência
da teoria do domínio do fato, pois, nos seus termos, autor é não só quem
executa a ação típica (autoria imediata), como também aquele que tem o
poder de decisão sobre a realização do fato. Aliás, o dispositivo em
questão foi além, punindo de maneira mais severa a conduta daquele que
exerce o comando da organização criminosa.
No mesmo artigo da Lei nós encontramos algumas causas de aumento de
pena, tais como para a organização criminosa que faça uso de arma de
fogo, que conte com a participação de crianças, adolescentes ou
funcionário público (desde que este se valha do seu cargo para a prática
da infração penal), que o produto ou proveito da infração destine-se,
no todo ou em parte, ao exterior, ou, ainda, nos casos em que a
organização criminosa mantenha conexão com outras organizações
criminosas independentes.
No §1°, do artigo 2° da Lei nós temos outra importante determinação, senão vejamos: Nas
mesmas penas incorre quem impede ou, de qualquer forma, embaraça a
investigação de infração penal que envolva organização criminosa.
Entendemos que este dispositivo é de extrema utilidade prática, uma vez
que permite a punição de qualquer pessoa que atrapalhe a investigação de
organizações criminosas. Como exemplo, podemos citar os casos em que
advogados, embora não ligados ao crime organizado, realizem tarefas que
extrapolem a função pela qual foram constituídos, servindo de
“mensageiros” ou como “informantes” da atuação policial.
Por fim, é mister salientar que nos casos em que houver indícios de
envolvimento de policiais com o crime organizado, deverá ser instaurado
inquérito policial pela Corregedoria de Polícia, que, por sua vez,
comunicará o Ministério Público para acompanhar o feito até a sua
conclusão (art.2°, §7°).
Da Colaboração Premiada
Art. 4o O
juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial,
reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou
substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado
efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal,
desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados:
I – a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas;
II – a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa;
III – a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa;
IV – a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa;
V – a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada.
O instituto em questão constitui, em nossa modesta opinião, a maior evolução trazida pela Lei em termos de investigação criminal[1].
A colaboração premiada nada mais é do que um acordo realizado entre o
Delegado de Polícia (ou membro do Ministério Público) e o investigado,
que objetiva a consecução dos resultados constantes no artigo
supramencionado. Dessa forma, caso o investigado colabore efetivamente
com a investigação, poderá ser beneficiado com o perdão judicial (ou
seja, terá declarada extinta a sua punibilidade), ter sua pena reduzida
em até dois terços ou substituída por outra pena restritiva de direitos.
Com o intuito de preservar a imparcialidade do juiz, o §6°, do artigo
4°, determina que ele não poderá participar da formalização do acordo,
sendo responsável apenas pela sua homologação, desde que preenchidos os
requisitos da Lei.
Diante do exposto, deve ser lavrado pelo Delegado de Polícia ou pelo
representante do Ministério Público, um termo de colaboração que,
conforme determina o artigo 6°, da Lei, deve conter: um relato da
colaboração e seus possíveis resultados; as condições da proposta do
Ministério Público ou do Delegado de Polícia; a declaração de aceitação
do colaborador e de seu defensor[2]; as assinaturas do Delegado de Polícia ou do representante do Ministério Público, do colaborador e de seu defensor[3]; e, por fim, as medidas de proteção ao colaborador e a sua família, caso necessário.
Salta aos olhos, portanto, que a efetiva colaboração do investigado
deve, necessariamente, ser precedida da assinatura do mencionado termo. É
o que se depreende de uma análise do artigo 4°, §9°, da Lei, que
estabelece o seguinte: Depois de homologado o acordo, o colaborador
poderá, sempre acompanhado pelo seu defensor, ser ouvido pelo membro do
Ministério Público ou pelo delegado de polícia responsável pelas
investigações.
Em outras palavras, é a partir da homologação do acordo pelo Juiz que
o colaborador efetivamente começará a contribuir para a concretização
de um dos resultados previstos no caput do artigo 4° (revelação
da estrutura hierárquica da organização criminosa, identificação dos
demais autores ou partícipes, recuperação do produto ou proveito das
infrações penais praticadas etc.).
Destaque-se, por oportuno, que o Juiz só decidirá sobre o quanto o
colaborador será beneficiado ao final do processo, após a análise da
eficácia da colaboração prestada, como não poderia deixar de ser, até
porque, nos termos do §10, as partes poderão se retratar do acordo
firmado, caso em que as provas autoincriminatórias produzidas pelo
colaborador não poderão ser utilizadas exclusivamente em seu desfavor. Em uma interpretação a contrario senso, podemos
concluir que as provas e elementos de informação advindos da
colaboração só não poderão ser utilizados em prejuízo do colaborador,
servindo, entretanto, para a condenação dos demais integrantes da
organização criminosa.
Como consequência lógica do exposto até aqui, o §3°, do artigo 4°,
determina que o prazo para o oferecimento de denúncia ou o processo,
relativos ao colaborador, poderá ser suspenso por até seis meses,
prorrogáveis por igual período até que sejam cumpridas as medidas de
colaboração, suspendendo-se, outrossim, o respectivo prazo
prescricional. No mesmo sentido, o §4° permite que o Ministério Público
nem sequer ofereça a denúncia caso o colaborador não seja o líder da
organização criminosa e seja o primeiro a prestar a colaboração. Em
nosso entendimento, trata-se de uma exigência cumulativa e não
alternativa, dependendo também da constatação dos resultados previstos
no caput do artigo. Como consequência dessa previsão, não podemos
olvidar que a nova lei nos apresenta mais uma exceção ao princípio da
obrigatoriedade da ação penal (antes já tínhamos a transação penal,
prevista na Lei 9.099/95).
Vale reiterar, nesse ponto, que todos os atos relativos à colaboração
premiada devem ser assistidos por um advogado, sendo que, nos
depoimentos que prestar, o colaborador renunciará o seu direito ao
silêncio e estará sujeito ao compromisso legal de dizer a verdade[4](art.4°, §14).
Em nossa opinião, tal previsão constitui uma hipótese de disposição
de um direito fundamental. Como é cediço, o direito ao silêncio está
incluído na ampla defesa (esfera negativa) e no direito de não produzir
provas contra si mesmo (nemo tenetur se detegere). Sem embargo,
entendemos que esse direito não está entre aqueles que são
indisponíveis. Com efeito, o colaborador não poderá mentir, sob pena de
responder pelo delito de falso testemunho. Sobre o tema, muito se
discute na doutrina se o acusado teria o direito de mentir amparado pelo
princípio da não-autoincriminação. Com a devida vênia, este
entendimento nos parece absurdo, pois o fato de o acusado não ser
obrigado a dizer a verdade, não significa que ele tem o direito de
mentir.
Se a colaboração do investigado for prestada posteriormente à
sentença, a pena poderá ser reduzida até a metade ou será admitida a
progressão de regime, ainda que ausentes os requisitos objetivos
(art.4°, §5°).
Feitas essas considerações, podemos concluir esse ponto focando nossa
atenção nas atividades de polícia judiciária relacionadas ao tema. Em
estreita síntese, sempre que o Delegado de Polícia estiver conduzindo
uma investigação que envolva organização criminosa, poderá efetivar o
acordo de colaboração premiada com um dos investigados. Assim, deve ser
elaborado um termo de colaboração que deverá ser formalizado com a
assessoria de um advogado, onde o Delegado de Polícia estabelecerá as
condições de sua proposta e os resultados esperados com o acordo (sem
prejuízo dos demais requisitos previstos no artigo 6°).
Após, o termo deverá ser encaminhado ao Poder Judiciário que abrirá
vistas ao Ministério Público. Consigne-se que o pedido de homologação
será distribuído de maneira sigilosa, não podendo conter informações que
possam identificar o colaborador ou o objeto da colaboração, sendo que o
Juiz competente deverá decidir no prazo de 48 horas.[5]
Homologado o acordo, o Delegado de Polícia poderá dar início aos procedimentos que objetivem os resultados constantes no caput do
artigo 4° da Lei, sendo a oitiva do colaborador indispensável à
consecução desse fim. No desenrolar da investigação e até o seu final, o
Delegado de Polícia pode, a depender da eficácia da colaboração
prestada, representar pela concessão de perdão judicial, ainda que esse
benefício não tenha sido previsto na proposta inicial (art.4°, §2°).
Para tanto, a Autoridade de Polícia Judiciária deverá demonstrar os
resultados obtidos por meio da colaboração, deixando clara a
proporcionalidade existente entre os meios e os fins atingidos.
Como se pode ver, a capacidade postulatória do Delegado de Polícia
foi, uma vez mais, ratificada pelo nosso ordenamento jurídico, haja
vista que, a partir da Lei 12.850/2013, esta autoridade poderá
representar, entre outras coisas, por uma decisão que declare extinta a
punibilidade do investigado, demonstrando, assim, a importância da
polícia judiciária para a concretização da Justiça.
Por tudo isso, entendemos que a colaboração premiada será um
instrumento de grande eficácia no combate ao crime, especialmente porque
poderá ser utilizada pelo Delegado de Polícia, que é o primeiro
representante do Estado a ter contato com a infração penal e seu
criminoso, podendo agir prontamente para evitar novos crimes e
desarticular a organização criminosa.
Da Ação Controlada
O instituto da ação controlada está previsto nos artigos 8° e 9°, da
Lei, não constituindo, todavia, uma inovação em nosso ordenamento
jurídico. Nos termos dos mencionados dispositivos, a intervenção
policial poderá ser retardada para que se concretize somente no momento
mais eficaz à formação de provas ou elementos de informação.
Ressalte-se, porém, que este retardamento deverá ser comunicado ao
Juiz competente, que, se for o caso, estabelecerá os seus limites e
comunicará o Ministério Público. Durante o desenvolvimento da
diligência, apenas o Delegado de Polícia, o Juiz e o Ministério Público
terão acesso aos autos, sendo que, ao seu final, deverá ser elaborado um
auto circunstanciado acerca da ação controlada.
Se a ação controlada envolver transposição de fronteiras, o
retardamento da intervenção policial ou administrativa somente poderá
ocorrer com a cooperação das autoridades dos países que figurem como
provável itinerário ou destino do investigado, de modo a reduzir os
riscos de fuga e extravio do produto, objeto, instrumento ou proveito do
crime (art.9°).
Da infiltração de Agentes
A infiltração de agentes policiais constitui mais um meio de
investigação envolvendo organizações criminosas. Tal possibilidade
poderá ser autorizada pelo Juiz mediante representação do Delegado de
Polícia, que deverá demonstrar indícios da infração penal prevista no
artigo 1º, a necessidade da medida, o alcance das tarefas do agente, o
nome ou apelido das pessoas investigadas (quando possível), o local da
infração e a impossibilidade da prova ser produzida por outros meios de
investigação. Sendo assim, podemos afirmar que a infiltração de agentes
deve ser utilizada apenas em último caso, quando não houver outros meios
de investigação aptos a produzirem provas contra o crime organizado, o
que é absolutamente razoável, tendo em vista o risco deste procedimento.
Sem embargo, cabe aqui a seguinte pergunta: considerando que Lei
9.296/96, que trata das interceptações telefônicas, também estabelece
que este procedimento só poderá ser realizado quando não for possível a
obtenção de provas por outros meios, qual dos procedimentos
investigativos deve ser adotado em primeiro lugar? A infiltração de
agentes ou a interceptação telefônica? Em princípio, entendemos que a
infiltração de agentes deve ser subsidiária à interceptação telefônica,
especialmente em virtude do risco que este procedimento acarreta aos
agentes policiais. Num confronto entre o direito de privacidade do
investigado e o direito a vida ou integridade física do policial, deve
prevalecer este último, inclusive com base nos postulados da
razoabilidade e da proporcionalidade.
Feito este breve parênteses, destacamos que a infiltração de agentes
poderá ser autorizada pelo prazo de seis meses, sem prejuízo de
eventuais renovações. Em outras palavras, a infiltração poderá ser
prorrogada pelo prazo necessário ao sucesso da investigação.
Destaque-se, ainda, que o pedido de infiltração será distribuído
sigilosamente, de forma que o agente policial não possa ser identificado
e nem o objeto da investigação. Por fim, a Lei determina que o agente
deva guardar, em sua atuação, a devida proporcionalidade com a
finalidade da investigação, podendo responder por eventuais excessos
praticados.
De acordo com o nosso entendimento, o meio de investigação em estudo
pode gerar resultados extremamente eficientes no combate ao crime
organizado. Contudo, a viabilidade desse procedimento é muito
questionável em virtude da falta de policiais aptos para a sua
realização. Tal crítica ganha ainda mais força nas cidades do interior,
que, além de possuírem poucos policiais em seus quadros, são
prejudicadas pelo fato de seus agentes serem conhecidos da população
local. Com o objetivo de mitigar esse problema, entendemos que deveriam
ser criadas unidades regionais formadas por policiais de várias regiões
diferentes que pudessem atuar em situações específicas de infiltração.
Dessa forma, além de contarmos com policiais especialistas nesse tipo de
investigação, ainda evitaríamos o contato da população com os agentes
infiltrados.
Do Acesso a Registros, Dados Cadastrais, Documentos e Informações
Outra mudança muito significativa trazida pela Lei 12.850/2013 se
relaciona ao “poder requisitório do Delegado de Polícia”. O artigo 15 do
texto legal dispõe que o delegado de polícia terá acesso, independentemente de autorização judicial,
aos dados cadastrais do investigado que informem, exclusivamente, a
qualificação pessoal, a filiação e o endereço mantidos pela Justiça
Eleitoral, empresas telefônicas, instituições financeiras, provedores de
internet e administradoras de cartão de crédito. Como se pode ver, a
Autoridade de Polícia Judiciária não precisará mais representar ao Poder
Judiciário para ter acesso a tais informações, sendo que a recusa ao
fornecimento desses dados pode caracterizar o crime previsto no artigo
21 da Lei, punido com pena de até dois anos de reclusão.
Asseveremos, todavia, que o poder requisitório do Delegado de Polícia
se restringe aos dados cadastrais do investigado que informem apenas a
sua qualificação e endereços. Nesse contexto, informações referentes ao
sigilo bancário ou telefônico do investigado ainda continuam sujeitas à
cláusula da reserva de jurisdição.
O artigo 16 da Lei nos apresenta outra mudança interessante ao
determinar que as empresas de transporte possibilitarão, pelo prazo de
cinco anos, acesso direto e permanente do Juiz, do Ministério Público ou
do Delegado de Polícia aos bancos de dados de reservas e registro de
viagens. Não temos dúvidas de que esta determinação facilitará, e muito,
a investigação criminal, uma vez que tornará mais viável o
acompanhamento do deslocamento de pessoas suspeitas de envolvimento com o
crime organizado. Aliás, nos parece que o dispositivo em questão foi
muito mais abrangente, podendo ser utilizado na investigação de qualquer
tipo de infração penal, haja vista que o Delegado de Polícia terá
acesso direto a tais informações.
Considerações Finais
Além de criar alguns tipos penais, a Lei 12.850/2013 também provocou
algumas alterações no Código Penal e revogou por completo a antiga Lei
9.034/95, que dispunha sobre os crimes praticados por organizações
criminosas.
No que se refere ao Código Penal, a alteração mais importante envolve
o artigo 288, que antes tratava do crime de quadrilha ou bando. Com a
nova Lei, este crime passa a adotar o nomen iuris de “associação
criminosa”. Demais disso, o novo tipo penal pune a conduta daqueles que
se associarem em três ou mais pessoas com o fim específico de cometer
crimes. Assim, para que se caracterize o delito em questão, não é mais
necessária a reunião de pelo menos quatro pessoas, mas apenas três.
Outra mudança ocasionada pela nova Lei diz respeito ao inciso I, do
artigo 1°, da Lei de Crimes Hediondos. Nos termos deste dispositivo, o
homicídio praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda
que cometido por um só agente, é considerado hediondo. Trata-se do que a
doutrina alcunhou de “homicídio condicionado”. Desse modo, para que
possamos compreender o alcance dessa disposição, é indispensável que
determinemos o significado de grupo de extermínio. Em nosso
entendimento, com o advento da lei 12.850/2013 o conceito de “grupo”
deve ser extraído do seu §1°, caracterizando-se, portanto, com a
associação de quatro ou mais pessoas, haja vista que o homicídio é
punido com uma pena superior a quatro anos de prisão.
Ainda no que diz respeito ao Código Penal, a nova Lei também alterou a
pena prevista no seu artigo 342 (falso testemunho ou perícia), que
agora será punida mais severamente com reclusão de dois a quatro anos e
multa.[6]
Por fim, não podemos olvidar o disposto no artigo 22 da Lei
12.850/2013, determinando que os crimes previstos nesta Lei e as
infrações penais conexas serão apurados mediante procedimento ordinário
previsto no Código de Processo Penal. Dessa determinação nós
vislumbramos, em princípio, duas consequências, sendo uma ligada à
investigação criminal e outra ao procedimento adotado durante o
processo.
Sem embargo das opiniões em sentido contrário, entendemos que este
dispositivo acaba vinculando a investigação realizada pelo Ministério
Público ao procedimento previsto para o Inquérito Policial. Assim, em se
tratando de investigação criminal conduzida pelo Ministério Público e
que tenha por objetivo o combate ao crime organizado, tal procedimento
deve seguir o regulamento estipulado ao Inquérito Policial, nos termos
do Código de Processo Penal.
Na verdade, consideramos um absurdo jurídico a investigação criminal
conduzida pelo Ministério Público, especialmente por não contar com
respaldo legal. Causa-nos espécie o fato de uma instituição que deve
atuar como fiscal da lei, acabe atuando às suas margens. Com base no
princípio da legalidade pública, os agentes públicos só podem fazer
aquilo que está previsto na lei. Na legalidade privada, por outro lado, a
pessoa comum pode fazer tudo aquilo que não for proibido por lei,
prevalecendo, assim, a autonomia da vontade.
Tendo em vista que os agentes estatais não têm vontade autônoma, eles
devem se restringir à lei, que, por sua vez, representa a “vontade
geral”, manifestada por meio dos representantes do povo, que é o
legítimo titular da coisa pública. Nesse contexto, o princípio da
legalidade pública tem estrita ligação com o postulado da
indisponibilidade do interesse público, que deve pautar a conduta do
Estado e de todos os seus agentes. Assim, considerando que o interesse
público é determinado pela lei e pela própria Constituição da República
(expressão da vontade geral!!!), não é suficiente a ausência de
proibição em lei para que o servidor público possa agir, é necessária a
existência de uma lei que autorize ou determine certa conduta.
Por tudo isso, certo de que não há uma lei que regulamente a
investigação realizada pelo Ministério Público, consideramos ilegal
qualquer atividade nesse sentido. Parece-nos que a lei objeto deste
estudo acaba regulamentando, ainda que por vias tortas, o exercício
dessa atividade, impondo, conforme alhures mencionado, a observância das
regras estipuladas para o Inquérito Policial. Independentemente disso,
consideramos premente a necessidade de criação de uma lei que, de fato,
regulamente a investigação criminal realizada pelo Ministério Público,
que deverá ocorrer apenas em hipóteses excepcionais e taxativas, desde
que observadas as seguintes condições: a) mediante procedimento
regulado, por analogia, pelas normas concernentes ao inquérito policial;
b) por conseqüência, o procedimento deveria ser, de regra, público e
sempre supervisionado pelo Judiciário; c) deveria ter por objeto fatos
teoricamente criminosos, praticados por membros ou servidores da própria
instituição, por autoridades ou agentes policiais, ou por outrem se, a
respeito, a autoridade policial cientificada não houvesse instaurado
inquérito.
Já no que se refere ao procedimento adotado nos crimes previstos
nessa Lei, chamamos a atenção para o fato de que, nos termos do artigo
22 supramencionado, tais crimes deverão seguir o rito ordinário previsto
no Código de Processo Penal. Diante disso, nos fazemos a seguinte
pergunta: aqueles que praticarem o delito previsto no artigo 21 da nova
Lei – que é de menor potencial ofensivo – poderão ser beneficiados com
os institutos despenalizadores da Lei 9.099/95? Em outras palavras, será
que o artigo 22 afasta a aplicação da Lei dos juizados especiais
criminais?[7]
Num primeiro momento, pensamos que a resposta só pode ser positiva,
principalmente em virtude do princípio da especialidade. Ora, não
podemos esquecer que estamos diante de uma infração ligada ao crime
organizado, mais especificamente ao seu combate e repressão. Parece-nos
que tal entendimento reforça a eficácia da determinação constante no
artigo 15 da Lei, que, por sua vez, está diretamente ligado à
investigação criminal. Demais disso, também poderíamos nos valer do fato
de a Lei 12.850/2013 ser posterior à Lei 9.099/95 para subsidiar esta
conclusão.
Sendo assim, a infração penal constante no artigo 21 da nova Lei não
poderia ser apurada por meio de termo circunstanciado, mas por inquérito
policial. Da mesma forma, seu infrator não seria beneficiado com a
transação penal, podendo lhe ser aplicada apenas a suspensão condicional
do processo. Em consonância com esse raciocínio, um crime de ameaça,
por exemplo, que seja praticado em conexão com outros crimes previstos
nesta Lei, também não poderá ser contemplado com os institutos
despenalizadores previstos na Lei 9.099/95.
Concluindo, reiteramos nosso posicionamento no sentido de que a Lei
12.850/2013 traz inovações extremamente positivas e auspiciosas, que,
sem sombra de dúvida, apresentarão resultados significativos no combate à
criminalidade organizada.
[1]
Não olvidamos, todavia, as críticas feitas pela doutrina em relação à
delação premiada, que estimula a traição entre os criminosos e promove
uma “parceria” entre o criminoso e o Estado.
[2]
Ao que nos parece, a intenção da lei nesse dispositivo é determinar que
a aceitação da colaboração deve ser acompanhada pelo advogado do
colaborador, que terá a função de assessorá-lo. Contudo, não é
necessária a aceitação por parte do defensor, o que, aliás, seria um
absurdo. Imaginemos o caso em que o colaborador, ciente das
conseqüências do seu ato, opte pela colaboração, mas seja contrariado
pelo seu defensor. Será que a não aceitação do advogado seria suficiente
para inviabilizar o acordo? Entendemos que não!!!
[3] Nesse caso a assinatura do defensor é indispensável para comprovar que o acordo foi realizado com a assessoria de um advogado.
[4]
Temos a certeza de que o art.4°, §14, irá gerar grande polêmica na
doutrina, que contestará a sua constitucionalidade por ofensa ao
princípio da não-autoincriminação.
[5]
Entendemos que se já houver inquérito policial distribuído, o juiz
competente para a sua fiscalização estará prevento para analisar o
acordo de colaboração.
[6] Antes da Lei a pena era de reclusão de um a três anos e multa.
[7]
Destaque-se que essa questão foi levantada pelo colega e amigo, Eduardo
Cabette, durante uma discussão entre nós sobre a nova Lei.
Fonte: http://atualidadesdodireito.com.br/eduardocabette/2013/08/14/nova-lei-de-organizacao-criminosa-lei-1285013-primeiros-comentarios/
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