quarta-feira, 4 de maio de 2016

Zaffaroni e a palavra dos mortos

“A tradição dos oprimidos nos ensina que o ‘estado de exceção’ no qual vivemos é a regra. Precisamos chegar a um conceito de história que dê conta disso. Então surgirá diante de nós nossa tarefa, a de instaurar o real estado de exceção; e graças a isso, nossa posição na luta contra o fascismo tornar-se-á melhor. A chance deste consiste, não por último, em que seus adversários o afrontem em nome do progresso como se este fosse uma norma histórica. (...) O dom de atear ao passado a centelha da esperança pertence àquele historiador que está perpassado pela convicção de que também os mortos não estarão seguros diante do inimigo, se ele for vitorioso. E esse inimigo não tem cessado de vencer.”
– Walter Benjamin (“Sobre o conceito de história”, Tese VIII)
“Há um mundo que as pessoas comuns não conhecem, que se desenvolve nas universidades, nos institutos de pesquisa, nas associações internacionais regionais e mundiais, nos foros e nas pós-graduações, com uma literatura imensa, que alcança proporções siderais, de dimensão tamanha que ninguém pode dominar individualmente. É o mundo dos criminólogos e dos penalistas. As corporações os ignoram e quando lhes cedem algum espaço, os técnicos se expressam em seu próprio dialeto, incompreensível para o resto dos humanos.”
– Eugenio Raúl Zaffaroni (“La Cuestión Criminal”)


Lá vem esse moleque do Gabriel Abelin falar nesse velho argentino chato... por quê Zaffaroni? Primeiro porque Zaffaroni, guardadas as devidas proporções, é uma espécie de Lukács do Direito Penal e da Criminologia, sempre escrevendo com vistas à totalidade do objeto estudado, e não neste ou naquele tópico em particular. Trata-se de um enciclopedista da quesstão criminal. Segundo que Jean Baudrillard  indicava que, já que o mundo se encaminha para um delirante estado de coisas, devemos nos encaminhar para um ponto de vista delirante. E que mais vale perecer pelos extremos do que pelas extremidades. O pensamento de Zaffaroni em muitos pontos (outros não), não deixa de ser isso: absolutamente extremo e, por que não dizer, positivamente delirante. Mas enfim, vamos ao que interessa!

I. Os penalistas formados nas faculdades de direito estão aptos para tratar da questão criminal e frear o avanço da barbárie que se avizinha?

Para responder a pergunta, devemos olhar para as faculdades de direito. Poucas formam criminólogos. Criminologia, quando oferecida na grade curricular dos cursos, quanto muito ocupa o nada honroso posto de “disciplina optativa”. Mas formamos penalistas... muitos penalistas. Penal I, Penal II, Penal III, Penal IV, Legislação Penal Especial, um oceano de “penais". . Sem dúvida que é algo que tem a ver com a questão criminal. Mas até que ponto? "A ideia de que os penalista é o mais autorizado para proporcionar os conhecimentos científicos acerca da questão criminal é uma opinião popular, mas não científica”, afirma Zaffaroni. Nem de longe basta saber direito penal para poder opinar com fundamento científico acerca da questão criminal, ainda que, se o conhece bem, pode fazer muito para resolver numerosos aspectos fundamentais na prática.
A fonte principal da ciência jurídico-penal de hoje, da dogmática jurídica aplicada à lei penal, sem dúvidas é a doutrina dos penalistas alemães. Conforme os princípios da ciência jurídica alemã, os penalistas constroem um conceito jurídico de delito, a teoria geral do delito, que todos nós aprendemos na faculdade. As discussões sobre a teoria do delito e seus elementos  são praticamente intermináveis, mas se trata, em geral, de uma ordem prioritária conceitual para estabelecer frente a uma conduta se ela é ou não delitiva com vistas a uma sentença.
O que Zaffaroni enquanto criminólogo procura esclarecer é que o delito dos penalistas é uma abstração, que se constrói com um objetivo bem determinado, que é chegar a uma sentença racional ou pelo menos razoável. Na realidade social, porém, esse delito não existe, porque no plano do real existem violações, homicídios, fraudes, roubos etc., mas nunca “o delito”.

“Logicamente, vocês se perguntarão o que é que esses senhores sabem acerca da realidade do delito, do que se passa no mundo em que todos nós vivemos, do que fazem os delinquentes, os policiais, os juízes, as vítimas, os empresários midiáticos, os jornalistas etc. Simplesmente o mesmo que qualquer vizinho que lê os jornais e assiste televisão, porque o penalista se ocupa da lei, não da realidade.” (“La Cuestión Criminal”, p. 16)
Desde jovem, quando entramos na faculdade de direito, aprendemos que ali se estudam relações de normas, de dever ser e não de ser.
Houve uma corrente que pretendeu um corte entre os estudos do dever ser e do ser. Foram os neokantianos, que dividiram os conhecimentos entre ciências da natureza e da cultura. O direito seria uma ciência da cultura e o que acontece no mundo em que vivemos todos os dias seria matéria das ciências da natureza (isso parece-me ter influenciado e muito a teoria dos sistemas de Luhmann, adotada por penalistas como Jakobs, mas isso é apenas um palpite meu).
Esta divisão foi tão taxativa que permitiu que a grande maioria dos penalistas dos tempos do nazismo viesse tranquilamente desde o Império Alemão até o pós-guerra, passando por cima da República de Weimar, dos crimes da ascensão do nazismo, dos massacres, do genocídio, da guerra, sem inteirar-se dos milhões de cadáveres. Tudo isso pertencia às ciências da natureza, que não lhes dizia respeito.
Em “La Cuestión Criminal", Zaffaroni cita Perón, que declarava que “a única verdade era a realidade”. Zaffaroni, tomando de empréstimo a máxima peronista, afirma que a única verdade da questão criminal é a realidade, qual seja, são os mortos. É isso mesmo, sem dúvida: a única verdade é a realidade, e a única realidade na questão criminal são os mortos.
Concretamente, argumenta Zaffaroni, o certo é que todos os vivos - isto é, os que vivem - somos adiados (os cadáveres adiados de que falava Fernando Pessoa), mas há alguns aos quais não se adia o suficiente, porque são mortos. Estes ficam mudos, porque costuma se afirmar, peremptoriamente, que os mortos não falam, o que é verdade em sentido físico, mas, sem dúvida, os cadáveres dizem muitas coisas que nossas sonoras afirmações e discursos ocultam.
“Vejamos: às vezes chegam a nos dizer até quem matou (pelas pistas que o autor deixa no cadáver), mas o cadáver nos diz sempre que estão morto.  Esta é a mais óbvia palavra dos mortos: dizer-nos que estão mortos. Por isso, quando se afirma que não há pretexto algum para a realidade na questão criminal, o que na verdade fazemos é emudecer os mortos, ignorar que nos dizem que estão mortos.” (La Cuestión Criminal, p. 15)

II. A invisibilidade do visível


“Degrada-se a linguagem política para que as mentiras saem, a verdade e o assassinato sejam respeitáveis e para dar uma aparência de solidez ao que é puro vento.” (George Orwell)
O poder punitivo nos vigia, mutila a privacidade pessoal, mostra um rosto de vítima para disfarçar sua condição de algoz. Sabe mais de nós que nós mesmos. A prisionalização de poucos ladrões estúpidos e de uns psicopatas isolados é o que legitima nossa submissão a incontáveis e crescentes medidas de controle que, inclusive, pedimos e aceitamos satisfeitos, movidos pelo medo manipulado pelos oligopólios midiáticos. É isso que Zaffaroni batiza de criminologia midiática: com a crônica policial, manipula-se a realidade do real (ou melhor, tapa-se a única verdade do real, os mortos), como se a sociedade só estivesse ameaçada pela delinquência comum. Esse tipo de criminologia torna o medo paranóico, o patologiza, o converte em pânico moral/social. Zaffaroni apresenta uma cifra impactante: no século XX, o saldo das guerras foi de quarenta milhões de mortos. O dos genocídios, dos danos colaterais, da fome, da miséria, das enfermidades curáveis não atendidas, da discriminação racial, da xenofobia, das migrações forçadas e de outras formas de massacre de massa ou em conta-gotas, ascendeu a cem milhões. São os mortos do dia a dia que emudecemos.
Zaffaroni nos exorta a escutar os gritos desses mortos e fazer com que os poderosos os escutem. Desnuda a colonização do pensamento de estudantes, catedráticos e penalistas desatentos ou indiferentes aos genocídios, convoca-nos a deixar para trás indiferenças, assepsias, neutralidades, negações e/ou justificativas do atual estado de coisas. E partir para a trincheira.
Em seu prefácio à edição brasileira do livro de Zaffaroni “A palavra dos mortos: Conferências de Criminologia Cautelar", Vera Malaguti Batista anotou:

“(...) Na homenagem a Louk Hulsman, Zaffaroni aponta a situação crítica do sistema penal latino-americano, com seu discurso jurídico-penal. “esgotado em seu arsenal de ficções gastas, cujos órgãos exercem seu poder para controlar um marco social cujo signo é a morte em massa”. Para ele o saber jurídico e a mass media se esforçam em inventar uma realidade que não permite que a percepção direta dos fatos deslegitime o sistema, entre esses o “fato de morte”, cuja magnitude caracteriza o exercício de poder dos sistemas penais.” (p. 10)

III. A redução da maioridade penal: juventude como “inimigo”

A escolha do inimigo, que o nazista Carl Schmitt havia assinalado como a essência do político, agora está, em boa medida, nas mãos das empresas de comunicação social.  Todavia, para instalar o mundo paranoide também é indispensável um bode expiatório adequado para imputar-lhe os crimes que se projetam como fonte de segurança existencial.
A história mostra a enorme heterogeneidade dos inimigos em diversos mundos paranoides, enumera Zaffaroni: bruxas, hereges, judeus, viciados em drogas, traficantes de drogas, comunistas, subversivos, sifilíticos, deficientes físicos, prostitutas, africanos, índios, imigrantes, anarquistas, gays, minorias sexuais, terroristas, alcoólatras, pedófilos, anarquistas, socialistas, delinquentes comuns, ciganos, burgueses, ateus, religiosos etc. É difícil encontrar algum traço comum entre todos eles, apesar de alguns terem sido reiteradamente vitimizados. Às vezes o bode expiatório é idôneo pelo simples fato de pertencer a um grupo (judeus, ciganos, minorias sexuais e étnicas), enquanto em outras situações alguns membros do grupo promovem conflitos que os tornam mais vulneráveis como candidatos ao mundo paranoide.
As condutas de alguns membros do grupo não decidem a condição de bode expiatório, mas são elas que midiaticamente facilitam a instalação paranoide e, desse modo, aumentam o risco para o grupo. Em certos casos, basta a violência de um único de seus integrantes para que contamine midiaticamente a todos.
Quando os delinquentes comuns são selecionados como inimigos, a estigmatização se orienta para todo seu grupo de pertencimento que, na nossa região, são os jovens dos bairros pobres. Nesse caso, os males que podem ser atribuídos a eles são limitados. Sempre existirão delitos cometidos, o que servirá para exercer um poder de controle muito amplo, não obstante, o certo é que os jovens e adolescentes não podem ser acusados de portar um elemento extremamente útil para erigir um bode expiatório, que é a conspiração. Devido a isso, eles são sempre escolhidos como inimigo de forma residual. 
Deve-se sempre ter muito presente que a criminologia midiática prepara o mundo paranoide com base em técnicas de neutralização, que podem consistir, inclusive, em discursos mais ou menos sofisticados, mas sempre de ocasião, oportunista, falacioso, simplista, redentor. Quando o bode expiatório são os jovens de bairro pobre, as técnicas de neutralização não são nem de longe sofisticadas, consistindo, geralmente, em grosserias/catastrofismos midiáticos (os Datenas e  Sheherazades da vida). A redução da maioridade penal é uma demanda mundial que se relaciona à política de criminalização da pobreza. A intenção é pôr na prisão os filhos dos setores mais vulneráveis, enquanto os da classe média continuam protegidos. E esse negócio de que se trata da vontade "da maioria" é uma outra bobagem, e novamente Zaffaroni explica isso. A sociedade não exige coisa alguma. São os meios de comunicação que exigem, e a sociedade, da qual fazem parte os adolescentes, é vítima dos monopólios midiáticos que criam o pânico social/euforia social. O bom e velho Erich Fromm já dizia, cirúrgico como sempre, que a democracia significa hoje, na realidade e numa larga expansão, manipular o consenso.
Não devemos nunca perder de vista que a criminologia midiática é uma arma de luta contra o Estado de bem-estar, e que, mediante o pânico moral, faz com que as pessoas se sintam em constante perigo de vida e, por conseguinte, privilegiam este bem sobre qualquer outro, com o qual deixam de lado as reclamações que correspondem ao Estado de bem-estar para reduzir-se somente àquilo que interessa ao Estado policial, cujas consequências estamos acompanhando no momento. O rebaixamento da idade penal emerge como solução mágica e adolescentes e jovens negros são criminalizados e literalmente caçados como presas de um sistema sanguinário.
Como escreveu Juarez Tavarez, no seu perfil no Facebook, “estamos regredindo assustadoramente a um estágio de barbárie penal, só imaginado pelo mais duro inquisidor, que acreditava poder, com a pena, salvar-lhe a alma.”
IV. E os médicos, afinal, onde entram nessa história?
Li esses dias no perfil do Salo de Carvalho uma situação desagradável em que ele se encontrava no aeroporto e um senhor ao seu lado teria lhe dito: "Para acabar com a violência, só prendendo esses menores, não?". Salo redarguiu prontamente, perguntando: "Qual a sua profissão?". "Médico", respondeu o empresário moral. "O senhor não fica indignado quando opinam sobre medicina sem nenhum conhecimento?", indaga Salo. "Sim", reponde. Silêncio por alguns instantes e o médico pergunta: "Qual a sua especialidade?". "Criminologia", responde Salo, retomando sua leitura na espera do voo.
Pois em “La Cuestión Criminal”, Zaffaroni utiliza exatamente o exemplo da medicina para ilustrar didaticamente como o discurso do senso comum-paranoide da criminologia midiática pode ser danoso para a sociedade.

“Imaginemos o que aconteceria caso se procedesse com o mesmo critério em outros âmbitos, como por exemplo, no da medicina. Se, numa mesa de bar, alguém defendesse a teoria dos humores, é provável que os demais o olhassem com ironia. Porém, como a liberdade é livre, é claro que qualquer um pode continuar defendendo a teoria dos humores na mesa de bar; ninguém discute esse direito à expressão. No entanto, seria grave se a teoria dos humores fosse divulgada como discurso único pelos meios de comunicação, se se desprestigiasse ou menosprezasse a quem dissesse algo diferente, se os pesquisadores médicos e biólogos ficassem isolados com seus discursos em seus institutos, se a autoridade sanitária e os políticos que fazem as leis acreditassem na opinião do bar e não na que os médicos poderiam dizer, ou, pior ainda, se os próprios médicos fizessem calar a quem negasse a teoria dos humores porque isso lhes gera um perigo político. É óbvio que o índice de mortalidade subiria de forma alarmante.” (p. 14)
Pois bem, o mesmo acontece com a questão criminal: aumentam os mortos em toda parte. Afirmam-se opiniões mais ou menos estranhas, equivalentes à teoria dos humores na medicina; os políticos e as próprias autoridades difundem ou aceitam essas incoerências e, lamentavelmente, também aumentam os índices de mortalidade.
As togas continuam pesando aos profissionais do Direito e isso não é admissível na hora da comunicação. Se o campo de batalha é comunicacional, afirma Zaffa, devemos travar a luta também nesse terreno. Este é o grande desafio. Por isso, devemos arregaçar as mangas e sair ao campo em que os desafiam.
Passou da hora do cidadão comum saber que há um mundo acadêmico que fala disso, da questão criminal, que, embora não tenha nenhum monopólio da verdade, pensou e discutiu umas tantas coisas, que se equivocou muitíssimas vezes e muito feio, mas também aprendeu com esses erros.
Os médicos também se equivocaram muitíssimas vezes, desde os tempos em que, para curar as feridas, passavam unguentos sobre a arma que havia causado o dano, até os tempos mais próximos, em que, para curar os doentes mentais, lhes enfiavam agulhas na cabeça, mas nem por isso nos colocamos nas mãos dos curandeiros quando nosso apêndice fica inflamado.
Enquanto isso, em se tratando legislação penal, devido a “poucos ladrões estúpidos e de uns psicopatas isolados", continuamos nos colocando nas mãos de políticos-curandeiros. Oportunistas alguns, propulsores conscientes de um novo totalitarismo outros, amedrontados e tremendo diante das corporações midiáticas os demais. Isso quando a tarefa não fica a cargo do “assessor do curandeiro”, porque quem muitas vezes elabora as leis são os assessores dos políticos, conforme a agenda que lhes marcam os meios de comunicação de massa, atualizando a barbárie. Qual agenda? “A única verdade é a realidade, e a única realidade são os mortos”.
Por exemplo, o corpo negro e caído no chão do menino linchado pela multidão monstrificada-fascistizada-paranoideno Maranhão atualiza a barbárie, atualiza a palavra dos mortos de que fala Zaffaroni, aos mesmo tempo que atualiza sua mudez e nosso emudecimento.
Como escrevi no Face quando tomei conhecimento do caso: “Nietzsche e Marx estavam certos. A humanidade não veio ainda. O homem não veio ainda. Não é possível que sejamos humanos. Nego-me em acreditar. Nosso lócus não pode ser outro senão o estado de pré-história da humanidade.”
A explicação? Estou convencido que o ser humano sente prazer em ver outro ser humano (o devedor, o acusado ou condenado etc.) sofrer ou ser humilhado, sobretudo, quando possível, publicamente (e midiaticamente). A raiva (bem como a vingança) é descarregada sobre o acusado como uma forma de punição extralegal pelo que ele fez. É dessa forma que se explica a pena de humilhação midiática e, mais recentemente, os justiçamentos, que vêm da pré-história, retratando momentos pré-modernos de comportamentos sub-humanos. "Ver sofrer, alegra; fazer sofrer alegra mais ainda”. Uma frase dura, mas uma frase humana, demasianamente humana, reconhece Nietzsche: "Sem crueldade não há gozo, eis o que nos ensina a mais antiga e remota história do homem; o castigo é também uma festa." (Genealogia da Moral)
A propósito, Nietzsche também dizia: "Que coisa estranha nossa maneira de punir! Não purifica o criminoso, não é uma expiação, pelo contrário, suja mais que o próprio crime." (Aurora)
Essa passagem de ”Vontade de Potência” também merece destaque: “O rebanho busca perpetuar um tipo e se defende dos dois lados: contra os que degeneram dele (criminosos, etc.) e contra os que o excedem. O rebanho tende à paralisia e à conservação, nele não há nada criativo. Os sentimentos agradáveis, os dos bons, benévolos e justos instilados em nós (em contraposição à tensão, ao temor que produz o homem novo e grande) são os nossos sentimentos de igualdade e segurança pessoais: o animal de rebanho enaltece com isso a natureza do rebanho e então se sente, ele mesmo, perfeitamente bem. Esse juízo de bem estar mascara-se com belas palavras – assim surge a “moral". Observe-se, porém, o ódio do rebanho aos verazes.”
Há um livro belíssimo livro de Oswaldo Giacoia Jr., “Nietzsche, ainda há tantas auroras”, inspirado na epígrafe de “Aurora” ("Há tantas auroras que não brilharam ainda"), extraído de Nietzsche das escrituras hindu e que traduzia esperança nietzscheana de um mundo novo, livre das ilusões religiosas, morais e intelectuais criticadas pelo filósofo.
É possível falarmos que “ainda há tantas auroras”, diante de nosso panorama conjuntural absolutamente desesperador e pessimista? Estaria na hora de abraçarmos a solução de Cioran de vez? (“Acredito na salvação da humanidade, no futuro do cianureto...”).
Em última instância - e para finalizar, creio que, assim como Giorgio Agamben[1] otimismo e pessimismo não são categorias úteis para pensar. Como escrevia Marx em carta a Ruge: ”A situação desesperada da época em que vivo me enche de esperança.” 

Gabriel Abelin é acadêmico do 9º semestre da Faculdade de Direito de Santa Maria (FADISMA) e Pesquisador no Núcleo de Direito, Marxismo e Meio Ambiente (NUDMARX), da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).

Fonte: http://justificando.com/2015/07/22/zaffaroni-e-a-palavra-dos-mortos/

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