quarta-feira, 13 de abril de 2016

Crime, pena e falácias da prevenção geral

Por Thiago M. Minagé e Diego Bayer

// Colunistas Just
Conforme aprofundamo-nos no estudo do Direito Criminal/Penal (como bem queiram chamar), constatamos a necessidade de superação de conceitos e teorias não aplicáveis em nossa realidade social. Não só por suas inconsistências, mas pela incompatibilidade jurídico-cultural existente.
Assim, quanto mais ativo no exercício do poder pela força o Estado for, a justificativa da teoria da prevenção geral, em sua vertente positiva, é reafirmada. A mesma vertente que vê o direito penal como afirmador de valores - valores simbólicos, únicos e consentidos por todos. Afirmaria uma confiança no sistema penal, entretanto, sua corrente negativa, pretendendo reconhecer, na pena, a redenção dos que não delinquiram e, possivelmente, sentiriam-se tentados a delinquir. Me poupem dessa balela – embora eu confesse que um dia aprendi e ensinei assim[1].
Verificamos a cada dia que as finalidades da pena, conforme expostas sob o manto da Prevenção Geral (na ilusão de alcançar aqueles que não delinquiram ainda), não passam de ilusórias e inalcançáveis.

Já a ressocialização não tem cumprido com seu objetivo e, por sinal, nunca cumpriu. Estima-se que a taxa de reincidência criminal no Brasil gira em torno de 70%, ou seja, a cada dez presos, sete voltam a delinquir (PRUDENTE, 2013, p. 442).
Contamos também com a hipocrisia da expressão segurança jurídica , que deve ser definitivamente abandonada, pois de nada adianta uma sociedade insegura em nome da segurança jurídica.
Muito se prometeu com a Lei de Execução Penal e a inclusão da reinserção através da educação e do trabalho, todavia, o que vem se verificando dentro do sistema penitenciário brasileiro é a impossibilidade de cumprimento da lei face às condições precárias e a superlotação dele. E o pior, cria-se a falsa sensação de segurança com teorias justificacionistas.
O sistema penitenciário brasileiro atual nada mais é do que uma herança dos antigos instrumentos e das formas utilizadas para conter a criminalidade e para punir indivíduos que cometiam algum crime.  Nilo Batista (1990, p.125) já retratava que
“Vestígios desse sistema, signo de uma formação social autoritária e estamental, encontram-se ainda hoje nas práticas penais (dis?)funcionais das torturas, espancamentos e mortes com as quais grupos marginalizados, pobres e negros costumam ser tratados por agências executivas do sistema penal ou por determinação de novos “senhores”. Será que todo o dito é difícil de constatar ou ao menos perceber? Cremos que não. Salvo se conveniente for, não perceber.
De acordo com os números do DEPEN (Departamento Penitenciário Nacional), em 2008, o número de presos era de 451.219. Já em 2012, o número chegava a 548.003 detentos. Ou seja, em 5 anos a população carcerária aumentou em quase 100 mil presos.
Quando falamos sobre vagas em estabelecimentos prisionais, em 2008 o número era de 296.428; em 2012, o mesmo número chegava a 310.687. Ou seja, o aumentou foi de apenas 14 mil vagas. Verificamos, portanto, uma desproporcionalidade entre número de vagas disponibilizadas e o número de detentos que adentraram ao sistema carcerário.
Analisando as pesquisas realizadas pelo Instituto Avante Brasil, verifica-se que o retrato do sistema penitenciário no Brasil é semelhante em quase todos os estados. As celas são verdadeiras jaulas, as instalações são precárias, falta água, comida, higiene, há superlotação, violência dentro das próprias celas, falta de trabalho, falta de ensino formal; em suma, condições subumanas. Todos esquecem, no entanto, que os seres vivos submetidos ao tratamento penitenciário degradante um dia sairão e voltarão para o convívio social.
De forma maestral, Neemias Moretti Prudente[2] expõe que:
“Nestes labirintos humanos inóspitos, constatam-se péssimas condições sanitárias (v.g. um chuveiro e um vaso sanitário para vários detentos) e de ventilação; falta de colchão e cama para todos (obrigando os detentos a se revezarem na hora de dormir); superpopulação (falta de vagas, inclusive em unidades provisórias); má alimentação; abandono material e intelectual; proliferação de doenças nas celas; maus tratos; ociosidade; assistência médica precária; pouca oferta de trabalho; água fria para banho; falta de material de higiene pessoal (v.g. toalhas de banho, sabonetes, preservativos); ausência de bibliotecas, espaços para práticas esportivas e banho de sol; violência e enfrentamento entre grupos rivais, massacres, fugas massivas; drogas (que por sinal é um calmante para os detentos) e armas no interior das celas; rebeliões (as principais causas são relacionadas a alimentação, tortura, direito à visita de familiares e itens de higiene pessoal); mulheres juntas com homens, jovens com idosos, doentes com saudáveis, os que cometeram pequenos delitos com os de alta periculosidade; homens presos em conteiners (...)
Assustador? Veja mais.
(...) falta de Defensoria Pública eficaz (pois muitos presos que já poderiam estar soltos continuam presos, já que não têm dinheiro para contratar um bom advogado); sem contar com os privilégios que se concede a alguns internos que, por sua posição econômica e social, contam com suficientes recursos para pagar seu tratamento diferencial;
Tá bom, né! Não! Tema mais (principalmente para as mulheres):
(...) contudo, quando se observa a realidade das mulheres em estabelecimentos prisionais, as dificuldades são ainda maiores, pois o Estado não respeita as especificidades femininas (v.g. falta de assistência médica durante a gestação, de acomodações destinadas à amamentação e na quase ausência de berçários e creches).Em Ribeirão Preto, na cadeia feminina de Colina, as presas usavam miolo de pão para substituir os absorventes íntimos.
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos apresentou um relatório que mostra não só a superpopulação dos presídios, mas as dificuldades enfrentadas nas áreas de higiene e saúde, alimentação, cama, roupa, entre outros. Acerca da realização de trabalhos nas prisões brasileiras, observou que
“Sem embargo, muitos presos entrevistados pela Comissão se queixaram de que não há trabalho nas prisões, o que os obriga a passar o dia todo dormindo ou andando de um lado para o outro. O censo penitenciário revelou que 89% dos presos não desenvolvem qualquer trabalho pedagógico ou produtivo, sendo esse um dos fatores mais decisivos para as tensões e revoltas nas penitenciárias. Deve-se ressaltar que a maioria dos detentos tinham emprego produtivo antes de ir para a prisão”.[3]
Outro fator importante descrito pela Comissão é acerca da divisão que deveria ocorrer dos presos de acordo com o delito cometido e também pela idade. Em visita a alguns presídios, a própria Comissão constatou que essa divisão não ocorre nos estabelecimentos, o que contribui ainda mais para as complicações encontradas na hora deste detento retornar a sociedade. Muitos presos já condenados que deveriam estar em estabelecimentos definitivos, se encontram em locais destinados às prisões temporárias, caso que também não se enquadra na legislação.
Há também relatos quanto à defasagem de pessoal qualificado para trabalhar nos estabelecimentos prisionais, o que resulta em depoimentos de presos denunciando o tratamento desumano que muitas vezes recebem de agentes penitenciários. Por fim, abordou também a Comissão Interamericana o problema das rebeliões organizadas pelos presos, na busca de melhorias. Relatou que, nos centros penais brasileiros, ocorrem, em média, duas rebeliões e três fugas por dia, todas com causas variadas.
Devemos ter em mente que a ressocialização é o melhor mecanismo para que o Estado proporcione ao apenado condições ideais para o retorno em sociedade, evitando-se, como outrora, as marcas provenientes do enjaulamento social. A ressocialização nada mais é que a efetivação dos direitos e garantias fundamentais como verdadeiros direitos subjetivos que correspondem universalmente a todos os seres humanos enquanto dotados do status de pessoa, de cidadão ou de pessoas com capacidade de agir.
Será mesmo que prender é a solução ou apenas uma forma de conformar a mente e o desejo daqueles que confundem o direito criminal com anseio de vingança?
Thiago M. Minagé é Doutorando em Direito pela UNESA/RJ; Mestre em Direito Pela UNESA/RJ, Especialista em Penal e Processo Penal pela UGF/RJ, Professor da Pós Lato Sensu da UCAM/RJ, de Penal e Processo Penal da UNESA/RJ, Coordenador da Pós Graduação Lato Sensu em Penal e Processo Penal da UNESA/RJ e da graduação da UNESA/RJ unidade West Shopping; Professor visitante da EMERJ (Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro), Membro da AIDP – Associação Internacional de Direito Penal e Autor da obra: Prisões e Medidas Cautelares à Luz da Constituição – publicado pela Lumen Juris.
 
Diego Bayer é Advogado criminalista, Doutorando em Direito Penal, Professor de Penal e Processo Penal da Católica de Santa Catarina e autor de obras jurídicas.

REFERÊNCIAS [1] MINAGÉ. Thiago http://justificando.com/2015/04/25/a-dupla-face-do-principio-da-legalidade-sabemos-o-seu-significado [2] PRUDENTE, Neemias Moretti. Por trás do arame farpado: algumas reflexões sobre os presos e os cárceres (e suas alternativas). (p. 441-467). IN: BAYER, Diego Augusto (Org.). Controvérsias Criminais: Estudos de Direito Penal, Processo Penal e Criminologia. 1ª Ed. Jaraguá do Sul: Editora Letras e Conceitos, 2013.
[3] COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Relatório sobre a situação dos direitos humanos no Brasil. As condições de reclusão e tratamento no sistema penitenciário brasileiro. Disponível em: <http://www.cidh.oas.org/contryrep/brazil-port/Cap%204%20.htm>. Acesso em 21 dez. 2012.

Fonte: http://justificando.com/2015/05/08/crime-pena-e-falacias-da-prevencao-geral/

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