O Tribunal Popular sempre foi alvo de grandes polêmicas,
existindo sempre os que defendem sua existência e os que chegam a dizer
que este deveria ser excluído do ordenamento. José Frederico Marques um
dos maiores críticos afirmava ser “o juiz leigo, muito acessível a injunções e cabalas, comprometeria a justiça das decisões”[1]. Magalhães Noronha[2]
complementa trazendo que em virtude dos juízes togados atuais gozarem
de garantias e não mais se curvarem “submissos ante o despotismo dos
monarcas absolutistas”, não haveria a necessidade da manutenção do
Tribunal Popular.
Alcides de Mendonça Lima em crítica ao Tribunal Popular afirma que este “cria a irresponsabilidade para o jurado, situação incompatível com a democracia”[3]. Heleno Claudio Fragoso traz que é “inaceitável uma condenação por maioria de votos, como 4 a 3, pois isso seria a própria extensão da dúvida”[4]. Mas, o que mais pesa é a crítica de Edmundo de Oliveira em relação a capacidade dos jurados. Esta enfatiza “que
o Tribunal do Júri chega a ser a negação da justiça por se entregar aos
leigos a difícil e complexa arte de julgar, em conformidade com a
ciência da lei e com a técnica de sua ajustada aplicação aos fatos
concretos”[5]. Por fim, complementando as críticas, Nelson Hungria afirmava que o Tribunal Popular se exime do “imperativo categórico da convocação dos capazes, persistindo em oficializar o culto da incompetência”[6].
Rebatendo as críticas ao jurado leigo, Guilherme de Souza Nucci aduz
que, apesar do jurado leigo ser suscetível a influências externas, “também é o juiz togado um seguidor da sua própria ideologia e de suas próprias convicções”[7]. Em relação a influência sobre os jurados, Angelo Ansanelli Júnior[8] ressalta que
A perniciosa influência da imprensa, conquanto exista, não é defeito inerente ao Tribunal do Júri: é defeito da própria legislação e do sensacionalismo dos órgãos de comunicação, que, ancorados na ausência de censura, emitem juízos de valor que podem influenciar os jurados. Não se deve olvidar que a magistratura togada também é suscetível a pressões dos meios de comunicação, principalmente quando alguns juízes tem a possibilidade de aparecer nos noticiários televisivos.
Rui Barbosa afirmava que os jurados “vindos diretamente do povo, a
ele voltariam humilhados e diminuídos, se não honrassem a representação
do núcleo em que se concentram seus interesses e seus sentimentos. E
quanto menor o meio, maior o campo negativo ou positivo da evidência
direta”[9]. Deste
modo, estes juízes leigos tentarão honrar ao máximo a nobre função que
foram chamados a exercer, pois prestarão contras a sociedade que
representam.
Eliana Gersão, em comentários ao funcionamento da justiça popular em
Portugal, aduz que o Tribunal do Júri foi abolidos pelos países da
Europa, em virtude da instauração do fascismo e, portanto, dos governos
ditatoriais[10].
Portugal salazarista, a Espanha franquista, a Itália de Mussolini, a
Alemanha de Hitler, a França de Vichy foram governos marcados pelo
absolutismo despótico e, portanto, pela ausência da democracia, sendo
que, quando restaurada a democracia na Europa, a participação popular
reafirmou-se praticamente por toda parte[11].
Se é verdade que existem jurados despreparados (fato que não há como
negarmos), na magistratura togada também há juízes (em menor número
decorrente da proporção com os jurados) que também são descomprometidos
com a realização dos ideais de um Estado Democrático de Direito, como
pode ser visto em dois casos antagônicos, os irmãos Naves[12] e o do índio Pataxó[13].
Lembra ainda Nucci que, o fato do jurado não possuir conhecimento
jurídico, este não é óbice para o exercício da função de jurado, pois
“se para construir leis justas basta o bom senso, também para julgar o
bom senso é suficiente”[14].
Hélio Tornaghi já afirmava que “muitos dos defeitos imputados ao
júri poderiam igualmente ser atribuídos ao juiz togado: a possibilidade
de corrupção, de se deixar influenciar pelos poderosos ou por
sentimentos pessoais. Mas aí o júri leva a melhor: porque é mais difícil
corromper sete do que corromper um”[15].
Afirma Guilherme de Souza Nucci que “as decisões do júri têm maior probabilidade de assimilação pela sociedade, pois espelham a vontade do povo”[16]. Além disso, complementa Nucci
os juízes populares, que julgam secundum conscientiam são livres no exame do fato, podendo usar do critério da reprobavibilidade como expressão do sentido moral médio, sem as amarras a que o magistrado se submete jungido, como está à lei. E a lei, como é notório, tem o passo trôpego, acompanhando lentamente a evolução social, de que o juízo de reprovabilidade é reflexo imediato.[17]
Certo é, que o julgamento através do Tribunal do Júri necessita de
mudanças, algumas até urgentes, mas em razão nenhuma deva ser excluído
do ordenamento jurídico. A participação da sociedade nos julgamentos do
Poder Judiciário é vista como necessária para o processo da
democratização, sendo portanto, fundamental dentro do ordenamento
jurídica brasileiro.
[1] MARQUES, José Frederico. A instituição do júri. p. 19-24.
[2] NORONHA, Magalhães Edgard. Curso de processo penal. p. 316.
[3] LIMA, Alcides Mendonça. Júri: instituição nociva e arcaica. Revista Forense, n. 196, p. 19.
[4] FRAGOSO, Heleno Claudio. A questão do júri. Revista Forente, n. 196, p. 23.
[5] OLIVEIRA, Edmundo et al. Tribunal do júri – Estudo sobre a mais democrática instituição jurídica brasileira, p. 102.
[6] HUNGRIA, Nelson. A justiça dos jurados. Revista Forense, n. 166, p. 7.
[7] NUCCI, Guilherme de Souza. Júri: princípios constitucionais, p. 180.
[8] ANSANELLI JÚNIOR, Angelo. O Tribunal do Júri e a Soberania dos Veredictos. p. 4-5.
[9] BARBOSA, Rui apud LYRA, Roberto. O Júri sob todos os aspectos. p. 20.
[10] GERSÃO, Eliana. Júri e participação dos cidadãos na justiça. Revista do Ministério Público, v. 11, n.41, p. 29.
[11] GERSÃO, Eliana. op. cit, p. 29.
[12]
No caso dos Irmãos Naves – considerado como maior erro judiciário da
história do direito pátrio –, eles foram acusados de ter assassinado a
vítima, na comarca de Araguari, Estado de Minas Gerais. O juiz que
conduziu a instrução, mesmo sem qualquer prova da materialidade do fato,
pronunciou os acusados. Os réus foram submetidos a julgamento perante o
Tribunal do Júri, que, conhecedor das circunstâncias do caso, absolveu
os acusados por duas vezes. Encaminhados os autos ao Tribunal de
Apelação, este reformou a decisão do conselho de Sentença (uma vez que
naquela época a soberania dos veredictos havia sido extirpada da
constituição, sendo que que os Tribunais podiam rever a decisão do
Tribunal do Júri, conforme previa o Decreto nº 167/38), condenando os
Irmãos Naves pela prática do homicídio. Anos depois – de sofrimentos
incomensuráveis sofridos pelos condenados Irmãos Naves – constatou-se
que a “vítima” do caso estava viva.
[13]
Em Brasília, capital federal, cinco rapazes atearam fogo em um índio
que se encontrava dormindo na sarjeta. Em virtude das lesões sofridas, o
índio Galdino Pataxó veio a óbito, após experimentar doloroso
sofrimento. Os imputáveis – membros de famílias tradicionais, sendo um
deles inclusive filho de juiz federal – foram denunciados pela prática
de homicídio doloso qualificado. A juíza, na pronúncia, desclassificou o
delito de homicídio doloso qualificado para lesões corporais seguidas
de morte, sendo que o Tribunal de Justiça do Distrito Federal,
apreciando o recurso do Ministério Público, manteve a decisão
desclassificatória. Além da pena ser consideravelmente menor (pois , se
primários e de bons antecedentes, seria ficada no mínimo legal de quatro
anos, atendendo à viciosa e cômoda praxe forense), se os acusados
fossem levados a julgamento perante o Tribunal Popular, fatalmente
seriam condenados. Preferiu, contudo, o judiciário, equivocadamente,
desclassificar o delito. O TJDF confirmou a decisão, sendo que o
Superior Tribunal de Justiça, em voto da lavra do Ministro Edson Vidgal,
reformou a decisão do Tribunal de Justiça, determinando fossem os réus
submetidos a julgamento perante o Tribunal do Júri pela prática de
homicídio doloso qualificado.
[14] NUCCI, Guilherme de Souza. Júri: princípios constitucionais, p. 180.
[15] TORNAGHI, Hélio. Instituições do processo penal, p. 62.
[16] NUCCI, Guilherme de Souza. Júri: princípios constitucionais, p. 283.
[17] Ibdem, p. 283.
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