sexta-feira, 28 de junho de 2013

O desuso da ética na busca pela audiência

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A mídia tem papel importante na conjuntura político social de hoje, exercendo influência em todos os setores da sociedade. Através da mídia, existe uma imposição no modo de agir e pensar, utilizando-se desta para manipular as massas.

Desta maneira, procurou-se neste artigo traçar a relação entre a mídia e o direito de informação e como estes se relacionam com os princípios éticos e os limites do princípio da presunção de inocência.

Desta forma, faz-se necessário conceituar o que é a imprensa. Miranda (1995, p. 50) traz que:
É certo que nos primórdios de sua vulgarização, a palavra imprensa englobava num mesmo conceito todos os produtos das artes gráficas, das reproduções por imagens e por processos mecânicos e químicos, envolvendo livros, gravuras, jornais e impressos em geral, hodiernamente, em virtude de seu grande desenvolvimento essas mesmas artes se subdividiram, esgalhando-se em planos distintos, formando cada qual uma nova especialidade, não sendo mais possível jungir a imprensa aos conceitos dos velhos tempos. Urge, portanto emancipá-la dos anexos, dando-se-lhe a conceituação moderna de jornalismo, desvinculando-se do conceito genérico de impressos.
Garschagen (2000, p.35) defende que a imprensa é o meio de comunicação que atinge a massa, formado por conjuntos de publicações periódicas que divulgam imagens, opiniões e informações sobre o que acontece em determinado local, de interesse para indivíduos e comunidades.

Além de tratarmos do conceito de imprensa, devemos destacar os conceitos de liberdade de imprensa e a liberdade de pensamento. Soibelman (1996, p. 227) traz que:
Liberdade de imprensa. [...] a imprensa falada (todo meio de comunicação oral do pensamento) ou escrita (impressa) só pode ser restringida havendo perigo atual e iminente para a ordem pública.
[...]
Liberdade de pensamento. Inclui-se nessa liberdade a transmissão de pensamento pela palavra falada, escrita e radiotelevisada.
Deste modo, pode concluir-se que as duas liberdades podem até caminhar paralelamente, mas em determinado momento, haverá o confronto entre as duas, denominado no texto como perigo atual. Portanto, deve ser garantida a liberdade de pensamento, mas, deveria sempre ser respeitado os limites éticos, o que não acontece nos dias de hoje.

A ETICA NA MÍDIA

A mídia contribui para a formação de opiniões, escolhendo quais assuntos são mais relevantes, criando sua “verdade absoluta”. Ocorre que a mídia não exerce sempre com responsabilidade esta liberdade que possui, muitas vezes agindo sem ética na exposição dos fatos.

Conforme Christofoletti (2008, p.80), as recomendações éticas geralmente são criadas em ambientes em que há relações laborais, encontrando-se reunidos em códigos de conduta, códigos de ética profissional e códigos deontológicos. Traz Christofoletti (2008, p.16) o conceito de ética, que pode ser entendido como “o pensamento sobre as regras e nossas relações com o mundo: se vamos ou não acatar as normas, e por que fazemos uma coisa e não outra”.

Segundo o dicionário Michaelis, a ética (do grego ethika, costumes) também chamada moral (da palavra latina mores, costumes), etimologicamente define-se como a ciência dos costumes. Não é uma ciência positiva que busca descrever apenas os costumes; vai além disso: pretende regular a forma como os homens devem viver, ou seja, é a ciência dos costumes tais quais devem ser.  É uma ciência normativa na medida em que se ocupa “do que deve ser”, de um ideal e dos meios de realizar; as suas leis são juízos de valor que se aplicam às ações para as regular; é uma ciência prática na medida em que as regras prescritas por ela não são teóricas, mas referem-se à atividade do homem livre; é uma ciência universal porque seus preceitos valem para todos os homens onde quer que estes se encontrem; é categórica porque se impõe por si mesma de forma incondicional.

A preocupação com a ética na mídia nunca esteve tão em pauta. As grandes evoluções nos meios de comunicação, onde as informações chegam quase que de forma instantânea, aliadas ao grande número de escândalos promovidos pela mídia, faz com que surja a necessidade de discutir e reavaliar os padrões éticos dos responsáveis pelas redações e publicações em todo o mundo.

Utilizam os famigerados jornalistas de fatos nem sempre apurados ou verdadeiros, para poder gerar audiência, esquecendo-se da ética profissional ao publicar tais informações. A ética no jornalismo é tida como uma necessidade básica e essencial.

No Brasil, não são poucos os códigos que tentam estabelecer a ética no jornalismo. Dentre os mais conhecidos podemos listar: a) o Código de Ética e Auto-Regulamentação da Associação Nacional de Jornais (ANJ); b) Princípios Éticos da Associação Nacional dos Editores de Revistas (Aner); c) Código de Ética da Radiodifusão Brasileira, da Associação de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) e o d) Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, o qual foi assinado pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj).
Os códigos da Associação Nacional de Jornais e da Associação Nacional dos Editores de Revistas não são um código de ética propriamente dito, mas sim, uma carta de princípios, uma vez que não trazem sanções a quem os descumprir.

Pode-se destacar do Código de Ética e Auto-Regulamentação da Associação Nacional de Jornais três, das dez regras. Primeiro, os jornais comprometer-se-iam a “apurar e publicar a verdade dos fatos de interesse público, não admitindo que sobre eles prevaleçam quaisquer interesses”, além de assegurar “acesso de seus leitores às diferentes versões dos fatos e às diversas tendências de opinião da sociedade” e também “respeitar o direito de cada indivíduo à sua privacidade, salvo quando esse direito constituir obstáculo à informação de interesse público”.

O código redigido pela Federação Nacional dos Jornalistas (2007) prevê, no seu terceiro capítulo, as suas responsabilidades profissionais. Dentre os artigos, destaca-se o artigo 9º e o artigo 11º, que expõe:
Art. 9º A presunção de inocência é um dos fundamentos da atividade jornalística.
Art. 11. O jornalista não pode divulgar informações:
I – visando o interesse pessoal ou buscando vantagem econômica;
II – de caráter mórbido, sensacionalista ou contrário aos valores humanos, especialmente em cobertura de crimes e acidentes;
III – obtidas de maneira inadequada, por exemplo, com o uso de identidades falsas, câmeras escondidas ou microfones ocultos, salvo em casos de incontestável interesse público e quando esgotadas todas as outras possibilidades de apuração.
No entanto, não é o que ocorre quando se assiste televisão ou se lê uma página de jornal. O que tem se visto é um protecionismo aos órgãos de imprensa, em virtude de censuras que sofreram durante o período da ditadura, não havendo portanto coragem por parte de alguns órgãos do Poder Judiciário em reprimir reportagens sem ética veiculadas na imprensa.

Em quase todos os casos, não se respeita a presunção de inocência, dando um caráter sensacionalista à matéria. O fato é, que a mídia preocupa-se tão somente com sua audiência, não tendo qualquer preocupação com a ética ou os direitos do acusado.

O JORNALISMO E A BUSCA PELA AUDIÊNCIA

A mídia, em razão da grande influência que exerce sobre as pessoas, é considerada por doutrinadores e pesquisadores, como o quarto poder, devido a capacidade de manipular a opinião pública. Para muitos telespectadores, o que a mídia apresenta é uma verdade absoluta, em razão da grande dificuldade de filtragem da informação pela maioria da população.

Diversos são os fatos que acontecem em todo o mundo, mas poucos são os relatados, eis que há uma seleção dos fatos que serão amplamente divulgados. Isto denomina-se o princípio da seletividade. Certo é que esta seleção deveria seguir padrões éticos e profissionais, mas, no entanto, a mídia tem se interessado apenas nos altos índices de audiência, utilizando-se do uso do sensacionalismo através do sangue, sexo e crime, fatos estes que fascinam.

A mídia, ao selecionar os fatos, seleciona também quais informações e pessoas serão importantes em relação ao fato, explicando e interpretando a “realidade”. Bertrand (1999, p.53) traz que “inegavelmente, a mídia determina a ordem do dia da sociedade: ela não pode ditar às pessoas o que pensar, mas decide no que elas vão pensar”.

O jornalismo tem sido adaptado ao espetáculo e através dessa seleção de conteúdo, a mídia tem o “poder de construção da realidade”, criando pessoas incapazes de contestar, garantindo assim sua “verdade absoluta”. Essa ampla divulgação e o superdimensionamento de fatos episódicos e excepcionais sobre os crimes escolhidos pela mídia, conforme Carvalho (2010, p.14) acabam por aumentar a vontade de punir que caracteriza o punitivismo contemporâneo.

Além dessa criação do espetáculo e da construção de uma realidade própria, o veículo de informação, na busca insana pela audiência, esbarra também na necessidade de ser o primeiro a divulgar o fato, fazendo com que se crie uma realidade parcial ou até mesmo inexistente, sem sequer escutar o outro lado da história, ou seja, a versão do acusado, publicando apenas uma verdade parcial, ignorando por completo os direitos de personalidade (leia-se: vida privada, intimidade, honra, imagem dos envolvidos), como também, o princípio da presunção da inocência.

Em razão disso, Silva (apud Carvalho, 2010, p.23) expôs que:
Tudo deve ter um limite. O direito de um termina quando se inicia o de outrem. Quando é desrespeitado esse princípio, o mais forte começa a impor ao mais fraco seu pensamento e sua forma de agir. Pois bem, quem é mais forte nesse país: a classe política, a Igreja, as Forças Armadas ou a imprensa? Discutível dizer qual delas. Entretanto, é indiscutível que a imprensa televisiva exerce poderosa influência. Em um país pobre e analfabeto como o Brasil, a televisão vem exercendo papel preponderante nas mudanças de costume e de padrões de vida da população.
Desta forma, a mídia veio “degrau a degrau” lapidando as questões éticas ao gosto de seu telespectador, transformando-se, como exposto, em jornalismo-espetáculo. Um dos exemplos mais conhecidos dentro da imprensa brasileira de erros cometidos pela mídia é o caso Escola Base, tendo em vista que violou, de maneira irreparável, a vida privada de pessoas inocentes. Baseada em informações incertas, sem a mínima apuração dos fatos, a mídia estigmatizou e etiquetou como se condenada fossem pessoas inocentes.

O caso, conforme Ribeiro (2003), iniciou em março de 1994, quando as mães Lúcia e Cléa após conversarem com seus filhos e tomarem conhecimento de que havia fitas pornográficas na casa de um colega da Escola Base e que seus filhos haviam sido fotografados nus na escola, acusaram os pais de um colega, Mara Cristina França Nunes e Saulo Nunes, bem como os casais proprietários da Escola Base, Ayres e Cida Shimada e Paula e Maurício Alvarenga, de promoverem orgias sexuais com crianças. O delegado responsável encaminhou as crianças ao Instituto Médico Legal (IML) para que fossem realizados os exames necessários e solicitou mandado de busca e apreensão.

No dia seguinte, a polícia chegou de surpresa para realizar a busca e apreensão na casa de Mara e Saulo, não sendo encontrado nada de concreto, e em seguida foram à Escola Base. Após a busca na escola, o delegado do caso afirmou que não havia prova nenhuma e que o caso necessitaria de investigação (RIBEIRO, 2003).

Insatisfeitas com a conclusão do delegado, as mães procuraram a Rede Globo. No dia seguinte as buscas, os suspeitos foram até a delegacia para prestar depoimento mas não foram ouvidos. O Jornal Nacional, após o recebimento de um documento enviado pelo Instituto Médico Legal qual confirmava o abuso de uma das crianças, decidiu divulgar a notícia. A partir daí, vários veículos da imprensa noticiaram o fato, sendo a Escola Base depredada pela população e os suspeitos tiveram que se esconder para não serem linchados (RIBEIRO, 2003).

A mídia utilizou do sensacionalismo, explorando o sofrimento das mães das vítimas, entrevistas com crianças de quatro anos, perdendo completamente a preocupação com a ética e a presunção de inocência. Surgiram tantas denúncias, que o relator da CPI da Prostituição Infanto Juvenil na época pediu a quebra do sigilo bancário das contas dos suspeitos, as quais foram investigadas. Deve-se esclarecer que os suspeitos não tinham nem prestado depoimento para a polícia.

Diante do rumo que o caso estava tomando, os suspeitos concederam entrevista para a imprensa. Dois dias depois, o delegado do caso solicitou a apresentação dos suspeitos para que prestassem depoimento. Somente Saulo e Mara foram à delegacia, quando tiveram a prisão temporária decretada pelo juiz corregedor, qual posteriormente foi revogada. Em razão dos fatos, o inquérito foi encaminhado para outra delegacia de polícia.

O sensacionalismo da imprensa era tanto, que fez com que o novo delegado cometesse dois grandes erros, onde, além de errar o número da casa (era nº 23 e não o nº 93), prendeu um americano chamado Richard, qual não possuía ligação qualquer com o caso e que foi solto somente nove dias depois. Passados três meses de sensacionalismo midiático, o inquérito policial concluiu que os seis suspeitos eram inocentes, sendo este arquivado (RIBEIRO, 2003).

Ocorre que, apesar de terem sido inocentados e indenizados monetariamente pelos danos causados, todos sofrem até hoje com os reflexos do sensacionalismo da mídia. Ayres Shimada continua trabalhando em sua pequena empresa, dormindo somente com tranquilizantes e fumando mais do que o habitual. Sua esposa, Cida, viu sua vida ir para o abismo, visto que não pode mais dar aula e também utiliza de calmantes. Maurício separou-se de Paula, teve pânico para sair de casa e mania de perseguição. Paula foi morar com a mãe, estando desempregada e também impedida de trabalhar na sua profissão. Saulo toca bateria em bares e Mara faz bijuterias, fazendo o possível para pagar as dívidas com seus advogados. Rodrigo, filho do casal, passou a comer com as mãos depois de saber que eles não teriam talheres na prisão. E por fim, o americano Richard, teve o contrato com a empresa que trabalhava rescindido após a divulgação de uma foto sua algemado, tornando-se obcecado em provar sua inocência (RIBEIRO, 2003).

Portanto, verifica-se no caso em tela que não fora respeitado em nenhum momento o princípio da presunção de inocência, bem como, não fora seguido as normas éticas regulamentadas nos códigos dos jornalistas, demonstrando claramente uma invasão aos direitos alheios, simplesmente pela busca de “audiência”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Verifica-se que a mídia utiliza-se de mecanismos para sempre tentar ser a primeira a dar a notícia, bem como, para manipular a grande massa para que pensem do modo que a notícia é relatada, muitas vezes criando uma “verdade absoluta”, impedindo a pessoa de efetuar uma reflexão sobre o que esta vendo ou lendo.

A velocidade com que tem que ser efetuada a confecção das notícias, faz com que os próprios jornalistas não reflitam sobre o que irão noticiar, gerando uma realidade distorcida. A falta de tempo para investigação cria uma realidade virtual, dando o status de “verdade”.

Observou-se ainda que, apesar de estar regulamentado em códigos éticos e de conduta dos jornalistas, a imprensa (de um modo geral), utiliza de forma desvirtuada de suas prerrogativas de liberdade de informação, transformando o jornalismo em um “espetáculo circense”, não respeitando os limites éticos e invadindo os direitos de personalidade e afrontando o princípio da presunção de inocência, por demasiadas oportunidades condenando os apenas suspeitos.

Por fim, entende-se que a mídia deve tomar o cuidado com as informações veiculadas, eis que devem sempre ser respeitados os princípios éticos e a presunção de inocência dos suspeitos, devendo ser deixado de lado o “espetáculo criminal” criado, uma vez que, conforme exposto no caso Escola Base, mesmo que inocentados, uma vez julgados e condenados pela mídia, alguns resultados podem ser irreversíveis.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BERTRAND, Claude-Jean. A deontologia das mídias. Bauru: EDUSC, 1999.
CARVALHO, Salo de. O Papel dos Atores do Sistema Penal na Era do Punitivismo (O Exemplo Privilegiado da Aplicação da Pena). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.
CHRISTOFOLETTI, Rogério. Ética no Jornalismo – São Paulo: Contexto, 2008.
CÓDIGO de ética e auto regulamentação – ANJ, Associação Nacional de Jornais. Disponível em: http://www.anj.org.br/quem-somos/codigo-de-etica – Acesso em: 13 mar. 2013.
CÓDIGO de Ética dos Jornalistas Brasileiros, 04 agosto 2007, Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj). Disponível em: http://www.fenaj.org.br/federacao/cometica/codigo_de_etica_dos_jornalistas_brasileiros.pdf – Acesso em: 13 mar. 2013.
GARSCHGEN, Donaldson M. Nova enciclopédia Barsa. São Paulo: Encyclopedia Britannica do Brasil Publicações. 8 v.,2000.
MIRANDA, Darcy Arruda. Comentários à Lei de Imprensa. 3ª ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais: 1995.
RIBEIRO,  Alex.  Caso  Escola  Base:  Os  abusos  da  imprensa .  São  Paulo:  Editora Ática, 2003.
SOIBELMAN, Leib. Enciclopédia do Advogado. 5 ed. Rio de Janeiro. Thex: Biblioteca Universidade Estácio de Sá. 1994.

OBS: Artigo readaptado para publicação. Artigo original apresentado na disciplina de Etica dos cursos para o Doctorado en Derecho Penal, pela Universidad de Buenos Aires – UBA.

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