segunda-feira, 30 de março de 2015

Será mesmo o Tribunal do Júri um instituto democrático?


Por Diego Augusto Bayer, Karina C. B. Lopes e Thiago M. Minagé


O tribunal do Júri possui natureza rixosa, de um lado possui defensores ferrenhos e, de outro, críticos. Esta contenda se sedimenta – basicamente – na função dos juízes de fato (leia-se: pessoas do povo que são leigas na ciência do direito), vejamos, Marques (1997) um dos maiores críticos do instituto afirma ser “o juiz leigo, muito acessível a injunções e cabalas” o que certamente compromete as justas decisões, no mesmo sentido, Oliveira (1999) enfatiza que “o Tribunal do Júri chega a ser a negação da justiça por se entregar aos leigos a difícil e complexa arte de julgar, em conformidade com a ciência da lei e com a técnica de sua ajustada aplicação aos fatos concretos”.

Por fim, complementando as críticas, entendemos que, na instituição do Júri, não há se se falar em “julgamento por pares”, pois vemos o Direito Penal como um mecanismo seletivo de controle que segrega, massivamente, as classes menos favorecidas compostas tradicionalmente pelos quatro “pês” – pobre, preto, prostitutas e policiais (Gomes: 2013, p. 402) – enquanto o conselho de sentença é formado por estudantes de classe média, empresários e executivos.




Rebatendo as críticas até aqui traçadas, Nucci (1999) aduz que, apesar do jurado leigo ser suscetível a influências externas, “também é o juiz togado um seguidor da sua própria ideologia e de suas próprias convicções” e, ainda nesta linha, Barbosa (apud LYRA, 1950, p. 20) afirmava que os jurados “vindos diretamente do povo, a ele voltariam humilhados e diminuídos, se não honrassem a representação do núcleo em que se concentram seus interesses e seus sentimentos. E quanto menor o meio, maior o campo negativo ou positivo da evidência direta”. Deste modo, estes juízes leigos tentariam que honrar ao máximo a nobre função para qual foram chamados a exercer.

Eis a essência do debate. A discussão é de grande relevância e seriedade, pois o que está em jogo é o estado de liberdade do acusado que atualmente é deliberado por pessoas que, não raras vezes, encontram-se despreparadas para exercer tal função, pois, repita-se, como amadores na ciência do Direito julgam o caso pelo que o acusado parece ser (características físicas e pessoais consubstanciadas nos antecedentes criminais, raça, situação socioeconômica e, quando não, motivados por paixões ou antipatias) e não pelo delito em si eventualmente cometido (NUCCI: 1999), consolidando-se no que Zaffaroni (2004, p. 115) define como “direito penal do autor”, o qual consiste em “uma corrupção do direito penal, em que não se proíbe o ato em si, mas o ato como manifestação de uma “forma de ser” do autor, esta sim considerada verdadeiramente delitiva”.

Assim, diante da desobrigação de fundamentar as decisões e o desconhecimento jurídico das regras jogo democrático, o Tribunal popular nos parece estar muito mais propenso ao erro do que os magistrados singulares, como diz Kircher (2014, p. 02) seria o mesmo que “comparar um obstetra a uma parteira”. O que queremos dizer é que a justiça não pode depender de “bom senso” ou da “simpatia” dos jurados.

Acrescente-se a isso que precisamos, ainda, levar em conta a influência dos veículos de comunicação que atuam no inconsciente dos sujeitos (pela repetição) disseminando uma “verdade” manipulada que se massifica no (in)consciente e, assim, traiçoeiramente é capaz de fazer com que o falso se torne verdadeiro (RAMONET, 2001) comprometendo a lisura dos julgados, em especial, quando realizados por leigos. Não se está afirmando aqui que os magistrados estão livres das influencias midiáticas, apenas entendemos que a inclinação é menor e que, atualmente, com a independência do judiciário, a Corte Popular perdeu muito o sentido de sua subsistência.


Ademais, é sabido que “um caso concreto” somente chegará ao plenário do júri para fins de julgamento pelo conselho de sentença (formado por pessoas do povo) se ao final da primeira fase do rito previsto para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida for proferida “sentença de pronúncia”.Rebatendo as críticas até aqui traçadas, Nucci (1999) aduz que, apesar do jurado leigo ser suscetível a influências externas, “também é o juiz togado um seguidor da sua própria ideologia e de suas próprias convicções” e, ainda nesta linha, Barbosa (apud LYRA, 1950, p. 20) afirmava que os jurados “vindos diretamente do povo, a ele voltariam humilhados e diminuídos, se não honrassem a representação do núcleo em que se concentram seus interesses e seus sentimentos. E quanto menor o meio, maior o campo negativo ou positivo da evidência direta”. Deste modo, estes juízes leigos tentariam que honrar ao máximo a nobre função para qual foram chamados a exercer.

Eis a essência do debate. A discussão é de grande relevância e seriedade, pois o que está em jogo é o estado de liberdade do acusado que atualmente é deliberado por pessoas que, não raras vezes, encontram-se despreparadas para exercer tal função, pois, repita-se, como amadores na ciência do Direito julgam o caso pelo que o acusado parece ser (características físicas e pessoais consubstanciadas nos antecedentes criminais, raça, situação socioeconômica e, quando não, motivados por paixões ou antipatias) e não pelo delito em si eventualmente cometido (NUCCI: 1999), consolidando-se no que Zaffaroni (2004, p. 115) define como “direito penal do autor”, o qual consiste em “uma corrupção do direito penal, em que não se proíbe o ato em si, mas o ato como manifestação de uma “forma de ser” do autor, esta sim considerada verdadeiramente delitiva”.

Assim, diante da desobrigação de fundamentar as decisões e o desconhecimento jurídico das regras jogo democrático, o Tribunal popular nos parece estar muito mais propenso ao erro do que os magistrados singulares, como diz Kircher (2014, p. 02) seria o mesmo que “comparar um obstetra a uma parteira”. O que queremos dizer é que a justiça não pode depender de “bom senso” ou da “simpatia” dos jurados.

Acrescente-se a isso que precisamos, ainda, levar em conta a influência dos veículos de comunicação que atuam no inconsciente dos sujeitos (pela repetição) disseminando uma “verdade” manipulada que se massifica no (in)consciente e, assim, traiçoeiramente é capaz de fazer com que o falso se torne verdadeiro (RAMONET, 2001) comprometendo a lisura dos julgados, em especial, quando realizados por leigos. Não se está afirmando aqui que os magistrados estão livres das influencias midiáticas, apenas entendemos que a inclinação é menor e que, atualmente, com a independência do judiciário, a Corte Popular perdeu muito o sentido de sua subsistência.

Ademais, é sabido que “um caso concreto” somente chegará ao plenário do júri para fins de julgamento pelo conselho de sentença (formado por pessoas do povo) se ao final da primeira fase do rito previsto para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida for proferida “sentença de pronúncia”.


Registramos que esta “sentença”, na verdade, é uma decisão de conteúdo declaratório-terminativo (que coloca fim na primeira fase do processo – iudicium accusationis) e que remete o feito para julgamento pelo conselho de jurados em plenário. O discurso oficial defende que na primeira fase do procedimento vigora o um princípio denominado “in dubio pro societate”, o qual dispõe que caso o juiz singular, ao final da instrução, tenha dúvida em relação à autoria ou a materialidade do delito, tem a obrigação de decidir a favor da sociedade (?) remetendo o réu a julgamento pelo Tribunal Popular (KIRCHER: 2014).

Ocorre que o sistema processual brasileiro não prevê este “princípio” em seu ordenamento jurídico. O “in dubio pro societate” nada mais é do que uma “criação” doutrinária inquisitiva, repressiva e autoritária. Portanto, seja pela ausência de previsibilidade e/ou pela adoção de um sistema acusatório (abraçado pelo Brasil após 1988) o “in dubio pro societate” há de ser rechaçado, conservando-se, como única presunção, a inocência (LOPES JUNIOR: 2005).

A remessa do processo ao Júri, quando inexistem provas (os indícios sequer discutiremos – irrelevantes) concretas de autoria e materialidade, viola de morte a norma constitucional e fortalece a herança de uma matriz inquisitória deixada em nosso sistema penal.

Não obstante, no senso comum e no “saber” jurídico-penal concretado, ainda prevalece em uma nítida inversão de valores! Como diria Rosa e Khaled (2014), aqui a lógica ainda é o “mal-dito” “in dubio pro hell”.

Para não concluir em uma palavra: Seria realmente o Júri um instituto democrático?

Diego Bayer é Aluno regular do Doutorado em Direito Penal pela Universidad de Buenos Aires. Especialista em Direito Penal (Uniasselvi); Especialista em Gestão Estratégica Empresarial (FURB). Professor de Direito Penal e Processo Penal na Católica de Santa Catarina. Advogado Criminalista.Email: diego@bayer.adv.br
Karina C. B. Lopes é Mestre em Educação pela Universidade da Região de Joinville; Professora de Processo Penal e Prática Processual Penal; Advogada Criminalista; E-mail: Karina.025117@gmail.com.
Thiago M. Minagé é Mestre em Direito pela Universidade Estácio de Sá; Professor de Penal e Processo Penal da graduação e Pós Graduação; Autor da Obra “Prisões e Medidas Cautelares sob a Luz da Constituição” publicado pela Lumen Juris; Advogado Criminalista; E-mail: thiagominage@hotmail.com

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARBOSA, Rui apud LYRA, Roberto. O Júri sob todos os aspectos.Rio de Janeiro: Editora Nacional do Rio de Janeiro, 1950.
GOMES, Luiz Flávio. Populismo penal, justiça e criminologia midiáticas. In. BAYER, Diego Augusto. Controvérsias Criminais: Estudos de Direito Penal, Processo Penal e Criminologia. Jaraguá do Sul. Letras e Conceitos. 2013.
KIRCHER, Luís Felipe Schneider. Visão crítica (garantista) acerca do tribunal do júri. Disponível em: http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos _leitura&artigo_id=3036. Acesso em: 19 ago. 2014
LOPES JÚNIOR, Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal: (Fundamentos da Instrumentalidade Garantista). 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.
MARQUES, José Frederico. A instituição do júri. Bookseller: Campinas, 1997.
NORONHA, Magalhães Edgard. Curso de processo penal. 26 ed., São Paulo: Saraiva, 1998.
NUCCI, Guilherme de Souza. Júri: princípios constitucionais. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 1999.
OLIVEIRA, Edmundo et al. Tribunal do júri – Estudo sobre a mais democrática instituição jurídica brasileira. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999.
RAMONET, Ignacio. A Tirania da Comunicação. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2001.
ROSA, Alexandre Morais da; KHALED, Salah H. In Dubio Pro Hell: Profanando o Sistema Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014.
ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Manual de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral. 5. ed. rev. atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.

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