terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Artigo Prática Jurídica - O Licenciamento Ambiental no Brasil

O LICENCIAMENTO AMBIENTAL NO BRASIL


Revista Prática Jurídica nº 130
Direito Ambiental
Marcos Abreu Torres e Elisa Romano Dezolt
MARCOS ABREU TORRES é Advogado, Pós-Graduado em Direito Ambiental e Gestão Estratégica da Sustentabilidade pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e Consultor Jurídico da Confederação Nacional da Indústria (CNI).

ELISA ROMANO DEZOLT é Bióloga, Pós-Graduada em Parcerias Intersetoriais pela Universidade de Cambridge (University of Cambridge Programme for Industry) e Analista de Políticas e Indústria da Confederação Nacional da Indústria (CNI).
 31/1/2013

O licenciamento ambiental é o procedimento administrativo destinado a licenciar atividades ou empreendimentos utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, conforme conceitua a Lei Complementar nº 140/11 (analisada na edição n° 123 desta revista, em junho de 2012). Em palavras simples, é o procedimento pelo qual o órgão ambiental competente analisa um pedido de implantação de um empreendimento ou atividade à luz das disposições legais e regulamentares de proteção ao meio ambiente.

Trata-se do mais importante instrumento de controle ambiental existente no País: quanto melhor elaborado for o processo de licenciamento ambiental, menor será a necessidade de fiscalizar o empreendimento. Ademais, o licenciamento ambiental caracteriza-se pela tutela preventiva do meio ambiente, enquanto que a fiscalização, normalmente, exerce função repressiva, quando o dano já foi causado.

Até hoje o Brasil não possui uma lei federal disciplinando, de modo amplo, o processo de licenciamento ambiental. O que existe, no âmbito federal, são fragmentos de uma disciplina legal e diversas normas infralegais de duvidosa legalidade.

Com efeito, o art. 9º, inciso IV, da Lei nº 6.938/81 classifica o licenciamento ambiental como instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente, sendo exigido para a construção, instalação, ampliação e funcionamento de empreendimentos e atividades utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental dependerão de prévio licenciamento ambiental (art. 10).

Diante de uma omissão legislativa que resiste até hoje, o Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA aprovou, em 1997, a Resolução n° 237, dispondo sobre procedimentos e critérios do processo de licenciamento ambiental.

A Resolução definiu uma lista de atividades e empreen­dimentos sujeitos ao licenciamento ambiental que vão desde a fabricação de móveis em madeira à construção de hidrelétricas. Apesar de bastante abrangente, trata-se de uma lista exemplificativa, podendo ser ampliada a critério do órgão licenciador. Tal discricionariedade encontra-se prevista no § 2º do art. 2º da Resolução.

O licenciamento ambiental é um procedimento formado por diversas fases. Uma das primeiras é a definição dos documentos, projetos e estudos ambientais necessários, de acordo com as características do empreendimento ou atividade, como o porte, a natureza e o potencial poluidor. Na edição passada desta seção, vimos que o órgão licenciador poderá exigir desde um estudo mais simples, como o Relatório Ambiental Simplificado – RAS, até o mais complexo deles, o Estudo de Impacto Ambiental e respectivo Relatório – EIA/RIMA.

Aprovado o respectivo estudo, poderá, então, ser emitida a primeira das licenças ambientais: a Licença Prévia (LP), concedida na fase preliminar do planejamento do empreendimento ou atividade, aprovando sua localização e concepção, atestando a viabilidade ambiental e estabelecendo os requisitos básicos e condicionantes a serem atendidos nas próximas fases de sua implementação.

Em seguida, o empreendimento ou a atividade estará apto a obter a Licença de Instalação (LI), autorizando, como o próprio nome já diz, a instalação do empreendimento ou atividade de acordo com as especificações constantes dos planos, programas e projetos aprovados, incluindo as medidas de controle ambiental e demais condicionantes, da qual constituem motivo determinante.

Por fim, atendidos os parâmetros aprovados e cumpridas as condicionantes estabelecidas na LP e na LI, o órgão licenciador emitirá a Licença de Operação (LO), autorizando a operação da atividade ou empreendimento, com as medidas de controle ambiental e condicionantes determinadas para a operação.

A Resolução CONAMA permite a definição de procedimentos específicos para as licenças ambientais, observadas a natureza, características e peculiaridades da atividade ou empreendimento. Em alguns Estados, por exemplo, é comum a previsão do Licenciamento Simplificado para empreendimentos e atividades potencialmente causadores de baixo impacto ambiental, abrangendo todas as fases da LP, LI e LO, de forma sucinta. Em 2011, o Ministério do Meio Ambiente divulgou uma série de portarias definindo critérios específicos para o licenciamento ambiental de rodovias federais, sistemas de transmissão de energia elétrica e exploração e produção de petróleo e gás natural no ambiente marinho e em zona de transição terra-mar.

Em geral, o licenciamento ambiental é um procedimento complexo, do qual participam outros atores além do órgão licenciador. Recentemente, foi editada a Portaria Interministerial n° 419/11, assinada pelos Ministros do Meio Ambiente, da Justiça, da Cultura e da Saúde, regulamentando a atuação da Fundação Nacional do Índio – FUNAI, da Fundação Cultural Palmares – FCP, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN e do Ministério da Saúde, quando incumbidos da elaboração de parecer em processo de licenciamento ambiental a cargo do IBAMA. Vale salientar, entretanto, que essas manifestações paralelas não vinculam a decisão do órgão licenciador, que poderá acatar ou rejeitar o parecer, bem como solicitar complementações.

Também é possível estabelecer prazos de validade para cada tipo de licença, devendo ser para a LP, no mínimo, igual ao estabelecido pelo cronograma de elaboração dos planos, programas e projetos relativos ao empreendimento ou atividade, mas não podendo ser superior a cinco anos; a LI valerá por, no mínimo, o estabelecido pelo cronograma de instalação do empreendimento ou atividade, desde que não supere os seis anos; e, no caso da LO, o prazo de validade deverá considerar os planos de controle ambiental, sendo de no mínimo quatro anos e no máximo 10 anos. A renovação da LO deverá ser requerida pelo empreendedor com antecedência mínima de 120 dias da expiração de seu prazo de validade, ficando este automaticamente prorrogado até a manifestação definitiva do órgão licenciador. Em geral, trata-se de um processo mais simples, embora não raro seja solicitada a apresentação de algum documento, projeto ou estudo ambiental complementar.

O órgão licenciador poderá, ainda, estabelecer prazos de análise diferenciados para cada modalidade de licença em função das peculiaridades da atividade ou empreendimento, bem como para a formulação de exigências complementares, desde que observado o prazo máximo de seis meses a contar do requerimento, ressalvados os casos em que houver EIA/RIMA, quando o prazo será de até 12 meses.

Muito se discute acerca da natureza jurídica da licença ambiental, tendo, de um lado, doutrinadores entendendo que se trata de um ato administrativo discricionário e precário (devendo-se, chamar, portanto, de autorização ambiental, e não licença), e de outro lado a corrente que defende a vinculatividade da licença ambiental, argumentando que, se preenchidos os requisitos legalmente exigidos para a sua concessão, o interessado tem o direito de obter a respectiva licença.

Édis Milaré faz um comentário que esclarece a aparente contradição entre o termo licença, que, no Direito Administrativo clássico, denota um ato administrativo vinculado e definitivo, e a eventual discricionariedade que os órgãos ambientais dispõem para a concessão da LP e da LI, bem como para exigir a renovação da LO:

“Na realidade, não há atos inteiramente vinculados ou inteiramente discricionários, mas uma situação de preponderância, de maior ou menor liberdade deliberativa do seu agente. (…) No caso do licenciamento ambiental, sem negar à Administração a faculdade de juízos de valor sobre a compatibilidade do empreendimento ou atividade a planos e programas do governo, sobre suas vantagens e desvantagens para o meio considerado, o matiz que sobressai é o da subordinação da manifestação administrativa ao requerimento do interessado, uma vez atendidos, é claro, os pressupostos legais relacionados à defesa do meio ambiente e ao cumprimento da função social da propriedade.”1
Com relação ao caráter de estabilidade das licenças ambientais, cumpre observar que este não se confunde com a sua definitividade. A licença ambiental goza do caráter de estabilidade juris tantum, não podendo ser suspensa nem cancelada por motivos de conveniência ou oportunidade do Poder Público. Eventual suspensão somente poderá ocorrer nas hipóteses taxativas de violação ou inadequação de quaisquer condicionantes ou normas legais, omissão ou falsa descrição de informações relevantes que subsidiaram a expedição da licença ou superveniência de graves riscos ambientais e de saúde.

Com a edição da Lei Complementar nº 140/11, que definiu as competências dos entes federativos para o exercício do poder de polícia ambiental, incluindo o licenciamento ambiental, a maior pendência atual do assunto é a aprovação de uma lei federal prevendo regras e critérios gerais para o processo de licenciamento ambiental, aplicáveis uniformemente em todo o território nacional. A ausência dessa lei permite que cada Estado estabeleça regras e critérios próprios, sem que haja um mínimo de harmonia quanto às exigências. Isso acaba por gerar insegurança jurídica e incerteza, afastando investimentos e dificultando a realização de obras necessárias ao País. A omissão legislativa do Congresso Nacional também é a causa da ausência na padronização dos procedimentos do licenciamento ambiental, ampliando a discricionariedade dos analistas dos órgãos licenciadores, o que também gera insegurança na análise dos estudos e, consequentemente, um número excessivo de condicionantes vinculadasà emissão das licenças.

Portanto, o maior desafio, hoje, do licenciamento ambiental traduz-se na edição de uma lei federal, com regras claras e objetivas, que confiram maior previsibilidade e celeridade aos processos de licenciamento ambiental, bem como uma melhor estruturação, capacitação de pessoal e aparelhamento técnico dos órgãos licenciadores.

NOTAS
1 MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. 2. ed. São Paulo: RT, 2001, p. 363.

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