quinta-feira, 18 de julho de 2013

O discurso da mídia e sua desinformação através dos espetáculos criados

Os meios de comunicação, em razão da grande influência que exercem sobre as pessoas, são considerados por doutrinadores e pesquisadores como o quarto poder, devido à capacidade de manipular a opinião pública. Para muitos telespectadores, o que os meios de comunicação apresentam é uma verdade absoluta, em razão da grande dificuldade de filtragem da informação pela maioria da população.


Em razão disso, Silva (apud Carvalho, 2010, p.23) traz
quem é mais forte nesse país: a classe política, a Igreja, as Forças Armadas ou a imprensa? Discutível dizer qual delas. Entretanto, é indiscutível que a imprensa televisiva exerce poderosa influência. Em um país pobre e analfabeto como o Brasil, a televisão vem exercendo papel preponderante nas mudanças de costume e de padrões de vida da população.
Anitua (2003, p. 161) ressalta ainda que
Es curioso que justamente en quienes se advierte una actitud de sospecha sobre la “realidad” que se exhibe en, por ejemplo, los medios, podamos reconocer un esencialismo indudable. Al sospechar de una realidad determinada demuestran que creen que existe otra realidad “verdadera” que se encuentra oculta tras la otra, construida precisamente para ello: para ocultar “la realidad real”.
Desta forma, os meios de comunicação vieram “degrau a degrau” criando um discurso “midiático” ao gosto de seu telespectador, transformando-se, como exposto, em jornalismo-espetáculo. Melossi (1992, p. 248) refere-se aos meios de comunicação como “fabrica de mitos” e assinala que “um discurso nunca é simplesmente a expressão de uma opinião, mas uma proposta para organizar o mundo de determinada maneira”.

Sodré (1999, p.72) explica que “os meios de comunicação (…) constituem o lugar primordial de construção da realidade ou de moldagem ideológica do mundo a partir da retórica tecnoburocrática de inspiração gerencial”. E para esta construção da realidade os meios de comunicação utilizam de várias técnicas para alcançar seus objetivos dentre quais, podemos iniciar destacando o princípio da seletividade.

Diversos são os fatos que acontecem em todo o mundo, mas poucos são os relatados, eis que há uma seleção dos fatos que serão amplamente divulgados. Certo é que esta seleção deveria seguir padrões éticos e profissionais, mas, no entanto, a mídia tem se interessado apenas nos altos índices de audiência, utilizando-se do uso do sensacionalismo através do sangue, sexo e crime, fatos estes que fascinam.

O jornalismo tem sido adaptado ao espetáculo e através dessa seleção de conteúdo, a mídia tem o poder de construção da realidade, criando pessoas incapazes de contestar, garantindo assim sua “verdade absoluta”. Essa ampla divulgação e o superdimensionamento de fatos episódicos e excepcionais sobre os crimes escolhidos pela mídia, conforme Carvalho (2010, p.14) acabam por aumentar a vontade de punir que caracteriza o punitivismo contemporâneo.

A necessidade da mídia em de ser a primeira a divulgar o fato, faz com que se crie uma realidade parcial ou até mesmo inexistente, sem sequer escutar o outro lado da história, ou seja, a versão do acusado, publicando apenas uma verdade parcial.

Em relação a esse poder de manipulação e influência, Marques (2010) expõe com indignação que, no Brasil se aprende a conviver com as misérias em nossa porta, mas não dentro de nossas casas. A divulgação de grande parte dos crimes hediondos é feito por jornais de periferia, onde é normal as notícias de decapitação e corpos encontrados nos esgotos, notícias estas, não expostas em grandes veículos, eis que ocorrem na maioria das vezes com classes desfavorecidas. Saliente que “seria muito mais proveitoso se a mídia utilizasse de sua força que nos emociona para promover uma mudança de valores em nossa sociedade”.

Então, para legitimar esta ações, os meios de comunicação criam ideias de que “todo bandido deve morrer”, de que “temos que aumentar as penas dos crimes”, “criar leis mais rígidas”, “instituir a pena de morte”, ou quem sabe, “jogar uma bomba nas favelas”. Este discurso dos meios de comunicação legitimam um punitivismo excessivo e a exclusão social, como se essas atitudes fossem a única forma de acabar com a criminalidade.

Em seus discursos, os meios de comunicação impõem suas opiniões, manipulando e controlando a informação, tirando proveito de sua credibilidade para tentar impor para seu público que sua exposição é a verdade absoluta. Conforme Vieira (2003) a opinião pública (ou seja, as ideias da população) não são construídas livremente, mas sim, são criadas após a opinião dos meios de comunicação, depois destes meios são terem selecionado seus assuntos, feito a matéria e divulgado as próprias reações do público que ela mesma provocou.

Fábio Martins de Andrade (2007, p. 47) expõe que os meios de comunicação “deixaram de informar para formar opinião”, ou seja, deixou de informar para definir o que quer que seja repassado adiante. É indiscutível que os meios de comunicação divulgam os fatos conforme percepções próprias, selecionando apenas o que lhe convém que o público fique sabendo.

Steinberger (2005, p. 92) traz que
nos discursos jornalísticos, há uma especificidade no modo de recortar os fatos. O fato não se confunde com a notícia. É preciso lidar com a substância específica de ‘atual idade’ e com o recorte do acontecimento como fato jornalístico ou noticioso. Isso pressupõe condições de noticiabilidade, como por exemplo que o fato seja de interesse público, que sua divulgação preste algum tipo de serviço à comunidade receptora, que ele tenha um potencial de sedução apelativa, ou seja, capacidade de despertar a curiosidade e a atenção dos potenciais receptores etc.
Através dessa curiosidade do público, os meios de comunicação se aproveitam para bombardear os noticiários com espetáculos circense-criminais tão apenas para alcançar maiores índices de audiência.

Boldt (2013, p. 67) explica que
A intervenção do jornalista na reconstrução da realidade ocorre já na definição da “pauta” do que deverá ser noticiado, momento em que se descartam informações cuja importância foi reduzida. O trágico desta seleção está exatamente na modificação dos critérios pertinentes à relevância dos fatos, substituída pelo mero interesse do público.
Neste ponto, merece destaque a corrida pela audiência em que se lançam os meios de comunicação. A concorrência e a busca incessante por pontos na audiência só tem piorado a qualidade das notícias que, quase sempre, se pautam apenas na busca pelo “furo”.

Não se divulga o que não vende, mas sim, o que vende e dá audiência, o que está sempre estritamente ligado com a politica do governo. Logo, “os políticos atuam e decidem em função dos meios de comunicação massiva. [...] O Estado se torna um espetáculo diante do escasso exercício do poder efetivo de seus operadores: não importa o que se faz, mas sim a impressão do que se faz” (ZAFFARONI, 1997, p. 34).

Assistimos todos os dias a jornalismos espetáculos que noticiam “ao vivo” sobre sequestros, homicídios, rebeliões, fatos que, apesar de serem considerados normais e naturais, quando uma amplitude “midiática”, reiterando-se várias vezes apenas para utilizar do sensacionalismo para alcançar grandes audiências.

Não só bastasse distorcer os fatos através de seu discurso espetáculo, os meios de comunicação fazem seu público acreditar em que a violência e criminalidade crescem sem precedentes. Escolhem determinados tipos penais e os noticiam com dramaticidade, fazendo os cidadãos mudarem seus comportamentos em razão da tal “violência crescente”.

Canavilhas (2007, p. 05), afirma que “[...] a espectacularização da notícia é consequência do domínio da observação sobre a explicação. A televisão procura prender o espectador, dando prioridade ao insólito, ao excepcional e ao chocante”.

Guy Debord (1997, p. 14), por sua vez, assinala:
O espetáculo apresenta-se ao mesmo tempo como a própria sociedade, como uma parte da sociedade e como instrumento de unificação. Como parte da sociedade, ele é expressamente o setor que concentra todo olhar e toda consciência. Pelo fato desse setor estar separado, ele é o lugar do olhar iludido e da falsa consciência; a unificação que realiza é tão somente a linguagem oficial da separação generalizada.
Não são poucos os casos que os meios de comunicação transformam em “meros espetáculos”, senão vejamos alguns casos recentes como o julgamento do ex-astro de futebol americano O.J. Simpson, a morte da princesa Diana, o julgamento do ex-oficial da marinha argentina Alfredo Astiz, o caso de María Soledad Morales, os casos brasileiros de Suzane von Richthofen, da criança Isabela Nardoni, do jogador de futebol Bruno, para citar apenas alguns exemplos, no qual a única coisa que os meios de comunicação fizeram foi um espetáculo em torno do caso para “vender notícias” e aumentar a audiência.

Para se ter uma base de como os meios de comunicação possuem poder, no caso do norte americano O.J. Simpson fora transmitido mais de 2.000 horas ao vivo somente em 3 canais de televisão, atingindo 20 milhões de pessoas, interrompendo inclusive um discurso do presidente Bill Clinton quando foi dado o veredicto (ANITUA, 2003, p. 193-194). Este caso ilustra a dimensão que os meios de comunicação podem proporcionar a um processo, podendo inclusive influenciar a sociedade para que pense do modo que os grandes detentores destes meios queiram.

Este jornalismo espetáculo investiga de acordo com sua conveniência, capta falas de suspeitos e as manipulam, trazem imagens irreais, criando sua própria verdade em relação ao crime ocorrido, fazendo com que seu público acredite nesta “verdade absoluta”, rompendo com a relação entre o real e o imaginário.

Canavilhas (2007, p. 05) relata que a utilização pelos meios de comunicação de quatro elementos na espetacularização da notícia:
1. Selecção de dramas humanos – Procura-se explorar os sentimentos mais básicos da pessoa, pondo em destaque casos de insatisfação das necessidades básicas identificadas por Maslow, nomeadamente as necessidades fisiológicas e a segurança.
2. Reportagem/directo – Recurso ao enquadramento local, se possível na hora do acontecimento, tirando partido da emoção oferecida pelo repórter no papel de testemunha ocular do acontecimento.
3. Dramatização – Uso dos gestos, do rosto e da expressão verbal (volume, tom e ritmo de voz) para emocionar ou sublinhar as imagens que desfilam no pequeno ecrã. Usualmente, são cinco os procedimentos clássicos da dramatização: o exagero, a oposição, a simplificação a deformação e a amplificação emocional.
4. Efeitos visuais – Todo o esforço de montagem e pós-produção, que permite manipular o acontecimento através da selecção das imagens mais elucidativas.
Segundo Naves (2003), a espetacularização da notícia, essencial na busca pelo entretenimento, propicia a confusão entre “interesse público” e “interesse do público”, desculpa frequentemente invocada pela mídia para exigir informações e justificar invasões de privacidade. Transformou-se a informação em mercadoria de entretenimento, com apelos estéticos, emocionais e sensacionalistas, “onde o espetáculo em cartaz é a vida” (PENA, 2008, p. 87).

Portanto, verifica-se que a construção da realidade televisiva vem exigindo que se dê uma atenção especial ao conteúdo dramático e emocional, sendo necessário cumprir duas regras fundamentais:
a) Garantir a compreensão do discurso, através de um fio condutor perceptível a todos. Enquanto que a realidade tem tendência para apelar a todos os sentidos, a realidade televisiva deverá procurar que a mínima fixação do sentido seja o suficiente para que o telespectador entenda a mensagem. Esta forma dos media garantirem a compreensão da notícia colhida da realidade está sintetizada em três processos:
1. Simplificação – Procura-se construir uma intriga reduzindo o número de personagens e situações e eliminando os elementos de difícil compreensão. Desta forma, procura-se que a informação seja acessível à generalidade dos cidadãos.
2. Maniqueização – A informação procura sempre dividir a acção em dois pólos de intriga: o bem e o mal.
3. Actualização e Modernização – Os anacronismos intencionais são outra forma de facilitar a compreensão. O transporte de uma personagem ou de uma situação do passado para um comportamento do presente permite uma percepção mais rápida da mensagem. Estes processos exigem do telespectador um raciocínio simples, gênero, causa-efeito.
b) Procurar uma linguagem, não só simples, como próxima da linguagem de rua. Este facto permite que o telespectador se transporte para o local do acontecimento. (CANAVILHAS, 2007, p. 06)
Canavilhas (2007, p. 09) ainda ensina que as informações espetáculos proporcionada pelos meios de comunicação possuem quatro vícios que podem torna-la pouco consistente, falaciosa e especulativa
1. Sensacionalismo – Misturando três ingredientes – sangue, sexo e dinheiro – a informação-espectáculo obtém a fórmula que faz subir audiências. A estes ingredientes, juntam-se ainda o aparentemente inesperado, o falso exclusivo e o surpreendente. Mas com os mesmos ingredientes podem fazer-se produtos diferentes [...]
2. A ilusão do directo – A maximização da emoção é transmitida via informação em tempo real. Se ao directo se associar o imprevisto, então a informação- espectáculo atinge o seu ponto mais alto [...]
3. Uniformização - O directo não permite pontos de vista. As imagens são colhidas em bruto, restando apenas liberdade de comentários. A falta de background conduz à uniformização do comentário e à redundância, já que o acontecimento é apenas e tão só o momento. Não há referências históricas, não há recurso à técnica, nem hipóteses de simulação.
4. Os efeitos perversos – O julgamento “à priori” é, talvez, o efeito mais perverso da informação-espectáculo. O querer mostrar mais, leva aos directos e às simulações sem bases que o suportem. Sendo a informação mais rápida que a Justiça, o telespectador é induzido a efectuar o ser próprio juízo, fazendo com que o próprio julgamento fique desde logo condicionado.
Esquece os meios de comunicação que, a violência sempre existiu e sempre existirá, independente de seu apelo midiático. Contudo, o que os meios de comunicação vem fazendo é propagar o medo, maximizando a intervenção penal do Estado e criando estereótipos criminosos que faz com que aumente as desigualdades, gerando em decorrência dessas desigualdades, mais violência e criminalidade.

Del Moral García (apud ANITUA, 2003, p. 283-284) expõe que
es sabido que una misma noticia admite muy diversos enfoques, pero, por desgracia, no es extraño el intento de ‘rentabilizar’ la información, difundiéndola como si se tratase de un espectáculo donde el delincuente encarna virtudes heroicas o donde la violencia se percibe con total naturalidad, es decir, sin que merezca el menor reproche moral y jurídico.
Assim, com a combinação ideal entre alcance e profundidade, os meios de comunicação não apenas constroem socialmente a criminalidade, mas realizam uma das suas mais notáveis funções, a fabricação do estereótipo do criminoso, fundamental para reforçar o problema estrutural da seletividade do sistema penal, cuja seleção varia, entre outras coisas, conforme a descrição produzida pelo discurso midiático.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANDRADE, Fabio Martins de. Mídia e Poder Judiciário: a influência dos órgãos da mídia no processo penal brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.
ANITUA, Gabriel Ignacio. Justicia penal pública: un estudio a partir del principio de publicidad de los juicios penales. 1ª ed. – Buenos Aires: Editora Del Puerto, 2003.
BOLDT, Raphael. Criminologia midiática: Do discurso punitivo à corrosão simbólica do Garantismo. Curitiba: Juruá, 2013.
CANAVILHAS, João. Televisão: o domínio da informação-espetáculo. Disponível em: <http://www.bocc.ubi.pt>. Acesso em: 23 fev. 2013.
CARVALHO, Salo de. O Papel dos Atores do Sistema Penal na Era do Punitivismo (O Exemplo Privilegiado da Aplicação da Pena). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.
DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.
MARQUES, Eduardo. Reflexões sobre a mídia no caso Nardoni. Mar/2010. Disponível em: http://www.pensar21.com.br/2010/03/reflexoes-sobre-a-midia-no-caso-nardoni/. Acessado em 13 ago. 2012.
MELOSSI, Dario. El Estado del Control Social: un estudio sociológico de los conceptos de estado y control social en la conformación de la democracia. Madrid: Siglo veintiuno editores, 1992.
NAVES, Nilson. Imprensa investigativa: sensacionalismo e criminalidade. Disponível em: <http://www.cjf.gov.br/revista/numero20/artigo1.pdf>. Acesso em: 18 fev. 2013.
PENA, Felipe. Teoria do jornalismo. São Paulo: Contexto, 2008.
SODRÉ, Muniz. Reinventando a cultura: a comunicação e seus produtos. Petrópolis/RJ: Vozes, 1999.
STEINBERGER, Margarethe Born. Discursos geopolíticos da mídia: jornalismo e imaginário internacional na América Latina. São Paulo: Cortez, 2005.
ZAFFARONI, Eugenio Raúl.. Globalización y sistema penal em America Latina: de la seguridade nacional a la urbana. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: IBCCrim/RT, n. 20, 1997.

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