quarta-feira, 17 de julho de 2013

Os meios de comunicação no Direito Penal

Os meios de comunicação não tem influenciado apenas a atuação de todos os sujeitos processuais e a atividade dentro do direito penal, mas também, vêm agredindo direitos constitucionais, tais quais, a dignidade da pessoa humana, presunção da inocência, entre outros.

Tem os meios de comunicação criado discursos para adquirir cada vez mais poder através de sua audiência, trazendo um consenso “falso” dentro da sociedade. Zaffaroni (2011, p. 365) expunha que além de um mero discurso, a mídia “vindicativa” apresentava uma causalidade mágica e lograva êxito em criar uma realidade por meio da informação e desinformação.


Zaffaroni (2001, p. 128) nos traz que os meios de comunicação são uma verdadeira fábrica de realidade, quais são capazes de criar esta realidade através da projeção de imagens e discursos que fazem fatos até irreais virarem reais. Nilo Batista (2003, p. 242) afirma que “uma especial vinculação entre a mídia e o sistema penal constitui, por si mesma, importante característica dos sistemas penais do capitalismo tardio”.

Percebe-se que a cada dia os meios de comunicação criam cada vez mais poder dentro da sociedade, sendo para a grande maioria dos telespectadores a fonte correta e real que existe e por isso a forma que divulgam os crimes é tido como fonte idônea e verdadeira. No tocante aos crimes, Morais da Rosa (2004), “melhor se forem ‘bárbaros’, por não envolverem disputa, pois ao invés de dividir – todos querem Justiça! – formarão consenso sobre a pena [...] podendo ocasionar mobilizações em prol do único remédio conhecido – por eles – para conter a ‘chaga do crime’: cadeia neles!”.

A partir deste ponto, a política criminal é pressionada de modo que ultrapasse alguns direitos constitucionais, com suas atitudes legitimadas através deste plano instrumental da mídia por meio de seu poder de intervenção punitiva, o jus puniendi estatal. Ao mesmo tempo deste controle exercido pela política criminal sobre os grupos desfavorecidos, os meios de comunicação de massa controlam as opiniões da sociedade, se apresentando como ferramenta indispensável para manter a “paz na sociedade”.

Notório é o relevante papel que os meios de comunicação desempenham dentro da política criminal, uma vez que, conforme Bourdieu (1997, p. 65), “o campo jornalístico detém um monopólio real sobre os instrumentos de produção e de difusão em grande escala da informação”. Não temos, portanto, como deixar de considerar que estes meios de comunicação tem entrado cada dia mais nos campos jurídicos, até porque, com o poder e a influência que estes meios possuem na sociedade podem causar uma instabilidade jurídica real.

Desta forma, com este período de incertezas e inseguranças crescentes dentro da sociedade de informação, é certo que os meios de comunicação com o excesso de informação e a manipulação utilizada pelos grandes veículos de comunicação têm gerado a desinformação. E esta avalanche de informações, conforme Merton e Lazarsfeld (2000) chegam a alertar sobre a criação de uma “disfunção narcotizante”, qual tira a energia dos telespectadores e fazem com que a participação ativa que tinham na sociedade se transforme apenas em um mero conhecimento passivo.

Pierre Bourdieu (2004, p. 08) expõe que se cria um poder simbólico que trata-se de “um poder invisível que só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem”.

Rocha (2010, p. 50) analisa que este poder
decorre do monopólio, ou da luta para estabelecer um monopólio, sobre um discurso, o que no senso comum pode ser visto como uma luta pela ‘verdade’, e pelos seus efeitos. Inserido na lógica das ideologias, o poder simbólico supõe a ideia da palavra autorizada, cujo posse permite ao seu detentor(a) definir o que é e será a realidade.
Este exercício do poder simbólico parte através de uma dominação “de cima para baixo”, sendo concebida como legítima e tido como “opinião pública”. Dussel (2007, p. 550) relata que o legítimo é “aceito como válido, porém fundado numa estrutura social onde a maior parte (os dominados) cumpre a vontade de outro como própria, realizando os interesses dos dominadores e não os próprios”.

Anitua (2003, p. 141) expõe que
La propaganda comercial, vendiendo subliminalmente a través de la ficción o directamente con la divulgación de noticias, no era un elemento de mención a fines del siglo XVIII ni en el XIX. Este sí es un fenómeno característico del capitalismo avanzado. Lo curioso del caso es que este proceso se da paralelamente con la mayor injerencia de los medios de comunicación de masas como formadores de las opiniones de las personas individuales reunidas en público y con la mayor dependencia de los medios para adquirir información.
Chomsky (2004, p.50) chama esse controle sobre a opinião pública de “consentimento sem consentimento”, uma vez que os meios de comunicação não se utilizam do processo democrático para se colocar como “opinião pública” e sim, acaba por destruir a democracia, uma vez que expressa tão somente as suas “verdades absolutas”.

Nesse sentido, Carnelutti (2010, p. 06) já salientava:
Um pouco em todos os tempos, mas no tempo moderno sempre mais, o processo penal interessa à opinião pública. Os jornais ocupam boa parte das suas páginas para a crônica dos delitos e dos processos. Quem as lê, alias, tem a impressão de que tenha muito mais delitos que não boas ações neste mundo. A ele é os delitos assemelham-se às papoulas que, quando se tem uma em um campo, todos desta se a percebem; e as boas ações se escondem, como as violetas entre as ervas daninhas. Se dos delitos e dos processos penais os jornais se ocupam com tanta assiduidade, é que as pessoas por estes se interessam muito; sobre os processos penais assim ditos célebres a curiosidade do público se projeta avidamente. E é também esta uma forma de diversão: foge-se da própria vida ocupando-se da dos outros; e a ocupação não é nunca tão intensa como quando a vida dos outros assume o aspecto do drama. O problema é que assistem ao processo do mesmo modo com que deliciam o espetáculo cinematográfico, que, de resto, simula com muita frequência, assim, o delito como o relativo ao processo. Assim como a atitude do público voltado as protagonistas do drama penal é a mesma que tinha, uma vez, a multidão para com os gladiadores que combatiam no circo, e tem ainda, em alguns países do mundo, para a corrida de touros, o processo penal não é, infelizmente, mais que uma escola de incivilização.
Com estes mecanismos, os meios de comunicação exercem o poder de manipulação sobre as massas, moldando os acontecimentos, manipulando as informações, escolhendo os entrevistados e selecionando os trechos mais adequados de suas falas. Estas notícias provenientes dos meios de comunicação também são chamadas de violência simbólica.

Para Bourdieu (1997, p. 22), violência simbólica é aquela “violência que se exerce com a cumplicidade tácita dos que a sofrem e também, com a frequência dos que a exercem, na medida em que uns e outros são inconscientes de exercê-la ou sofrê-la”. Este processo de etiquetamento, rotulação, criação de estereótipo criminoso, é tido como a manifestação mais cruel da violência simbólica exercida pela mídia.

Conforme Mello (1998), ao noticiarem o fato, os meios de comunicação não se limitam a informar. Estes tomam partido, julgam e condenam, ampliando os estigmas, sem dar voz à parte contrária. Aí esta o diferencial do poder exercido pelos meios de comunicação, pois apesar de legítimo e simbólico, produz efeitos reais causando essa dominação dos grupos. Vera Malaguti Batista (2003, p. 33) que “os meios de comunicação de massa, principalmente a televisão, são hoje fundamentais para o exercício do poder de todo o sistema penal, seja através dos novos seriados, seja através da fabricação da realidade para a produção de indignação moral, seja pela fabricação de estereótipo do criminoso”.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANITUA, Gabriel Ignacio. Justicia penal pública: un estudio a partir del principio de publicidad de los juicios penales. 1ª ed. – Buenos Aires: Editora Del Puerto, 2003.
BATISTA, Vera Malaguti. O medo na cidade do Rio de Janeiro: dois tempos de uma história. Rio de Janeiro: Revan, 2004.
BOURDIEU, Pierre. Sobre a televisão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.
___________. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004.
CARNELUTTI, Francesco. As misérias do processo penal. 2.ed. Leme – SP: EDIJUR, 2010.
CHOMSKY, Noam. O lucro ou as pessoas? Neoliberalismo e ordem Global. Trad. Pedro Jorgensen Jr. 4ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004.
MELLO, Sílvia Leser de. A cidade, a violência e a mídia. Revista Brasileira de Ciências Criminais, n. 21, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998.
MERTON, Robert; LAZARSFELD, Paul. Comunicação de massa, gosto popular e a organização da ação social. In: LIMA, Luiz Costa (Org.) Teoria da cultura de massa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000, p. 109-131.
MORAIS DA ROSA, Alexandre. Decisão no processo penal como bricolagem de significantes. Tese de doutoramento em direito. Orientação: Jacinto Nelson de Miranda Coutinho. Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Paraná, Curitiba, dez. 2004.
ROCHA, Álvaro Filipe Oxley da. Criminologia e Teoria Social: Sistema Penal e Mídia em luta por poder simbólico. In: GAUER, Ruth Maria Chittó Gauer (org.). Criminologia e sistemas jurídicos penais contemporâneos II. Porto Alegre: Edipucrs, 2010, p. 42-60.
ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em busca das penas perdidas: a legitimidade do sistema penal. Rio de Janeiro: Revan, 2001.
__________. La palavra de los muertos: conferencias de criminología cautelar. Buenos Aires: Ediar, 2011.

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